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  • Foto do escritor: Carlos Camacho
    Carlos Camacho
  • 25 de dez. de 2020
  • 3 min de leitura

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Está voando sobre o Morro Azul. Paragliding. Foi conversando com um praticante há muito tempo que descobri:


– Subimos pela corrente de ar quente.


– Mas como vocês descobrem onde elas estão?


– Há vários sinais; um deles é observar os urubus subindo.


Meu pai os chamava - os pessimistas - de urubus. E depois arrematava: Sai pra lá! Com o tempo aprendi a me relacionar com eles, sem me afastar incontinenti. É fácil identificá-los. Basta você lançar uma ideia diferente, pode ser a de uma viagem ou sobre um novo projeto, que as objeções são orgulhosamente listadas ponto a ponto. Alguns ainda sem qualquer pudor arrematam: Isso não vai dar certo! Eles não são de todo inúteis, nos despertam para a dura jornada que teremos adiante quando algo novo se desenha.


A persistência precisa vencer os pessimistas.


A resiliência é arte de refutar os urubus.


Eles fazem parte do processo; é preciso observá-los.

Paradoxalmente, apesar de seu desejo pela parte desgraçada da vida, pelo putrefato, pelo morto inerte, é através deles que descobrimos a corrente de ar quente. E subimos. E progredimos. Mostrar-lhes que de fato será algo muito difícil de fazer e que nem todas as respostas estão prontas torna o diálogo possível. Jamais os confronte. Eles já tem em seu favor o status quo. Quiçá um rol de várias tentativas alheias já fracassadas. Uma de suas frases preferidas... se é tão bom assim como ainda não fizeram? Uma maneira de acalmá-los: Uai, vamos tentar, vamos fazer um teste, um piloto, vamos amadurecer a ideia.


É muito importante você utilizar a expressão mineira uai.


Com Romeu, Julieta, café e queijo a conversa vai evoluindo.


Ouvi esses dias a entrevista de um dos fundadores da Wals, a cervejaria – mineira de Belzonte – que a Ambev escolheu para se tornar sócia. Hoje um deles investe no Kombuchá sob o nome de K-Häppy e, segundo ele, estão na fase de educar o consumidor – fazer com que experimentemos para que conheçamos os seus benefícios; sobretudo se comparado ao refrigerante. Eis que sabendo quais são as objeções dos urubus a persistência vai ganhando ares de resiliência.


A crônica nem era sobre essa bobageira toda de empreendedorismo.


Eu é que me dei conta de que hoje é sexta-feira final do dia e a crônica de sábado não estava pronta. Mas que coisa! Para variar eu vou ter que me sentar para escrever sem a menor ideia do que escrever. Já sei, vou simplesmente descrever o que vejo: a paisagem. Levantei-me e fui pegar o computador. Faria uma crônica diferente; descritiva. Muito fácil. É só descrever piamente o que vejo. Olhei para as nuvens se movendo mas logo achei piegas.


Em tempos de Covid ninguém quer saber de nuvem mas de pé no chão mesmo. Poderia falar sobre o Natal, o sol poente por detrás da antena de rádio ou descrever a linha que separa a cidade do campo, tão cristalina daqui de cima. Descreveria os prédios há tanto inacabados e fantasmagoricamente abandonados. Quiçá contar-lhes o dia em que jurei presenciar um ritual macabro e satânico ocorrendo à luz de velas em suas dependências; já tarde da noite.


Poderia mesclar tudo também: as andorinhas que voam piando e trepassem ora pelas nuvens piegas cortadas pelos raios do sol poente e ora pelo gigante de ferro cujos sinais nos mantém antenados.


Ocorre que na primeira mirada mais ao horizonte, na vista mais longínqua, eu vi o Paragliding subindo.


Procurei logo os urubus mas o que encontrei mesmo foi uma crônica com o seu nome.

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