Aqui estamos, aqui estou, no final do sábado. Perdi a hora hoje, praticamente atrasado em todos os compromissos outrora assumidos. Joguei a crônica para o domingo.
Não é bom se atrasar.
Não é elegante se atrasar.
Ingleses não se atrasam; brasileiros sim. Às vezes o atraso salva vidas, como o avião que caiu, o assalto oportunista ou a explosão que se postergou. Outras, o atraso mata vidas. O avião que caiu, o assalto oportunista ou a explosão que se postergou. Atrasado, escrevo. Tardiamente ela vem, enjoada e sem jeito. Como a moça bonita que, discreta, passa pelo salão sem que ninguém olhe o relógio. Disfarça o jeito e engana o tempo.
Convém mais um trecho de uma poesia perdida do meu pai, ei-la, chama-se SIMULACRO:
DEPOIS
do trem só restam os trilhos,
da vida algumas marcas,
pra lá dos tempos de criança,
tudo se torna uma esperança,
a vida ainda, corre e pula,
o tempo vai domando a vida,
pouco se ri, se esquece as festas,
se perde o rosto cavando um poço,
trabalha sim, trabalha mais, até os filhos,
não brota água mas sobra espaço,
o corpo morto tomba lasso,
o sol desperta, o tempo apressa,
sem redenção, só sofrimento,
na solidão dos meus lamentos,
só resta o grito moicano,
só parecença, simulação, nem é revolta,
como eco, como feto morre o homem
que sempre foi, sempre fez, sempre esperou para
DEPOIS
perdem o trem...
Aqui acaba um assunto. Outro agora. Meu tio me avisa esta semana que meu bisavô, Aldogrigo Marchetti, que era pintor parceiro do Volpi, pintou a Capela de São Pedro de Monte Alegre em Piracicaba. Havia muitos italianos imigrantes nessa região, de modo que o Comendador Pedro Morganti achou que seria o momento de construí-la. Os trabalhos duraram seis meses, entre 1937 e 1938.
Ao lado de meu bisavô também pintou Mário Zanini. Pintaram a réplica de uma igreja de Siena. Os altares e a pia batismal foram construídos em mármore de Carrara, isto é, da cidade italiana de Carrara. Eu passei por esta cidade e só depois que vi as enormes marmorarias à beira da estrada me dei conta que o famoso mármore de Carrara que meu pai tanto falava vinha desta cidade.
Amanhã que é Domingo eu visitarei a Capela de Monte Alegre.
Para que?
Fazer o sinal da cruz e dizer em volta alta: meu bisavô participou da pintura da capela. Tá vendo ali, os quatro apóstolos? Foi ele quem pintou Lucas. Também o nome do meu primo. Hoje foi dia de perder o trem; na parede da minha sala há duas telas: uma pintada por Rogério, irmão de meu pai, e outra pintada pelo meu irmão. E, ainda assim, mesmo ostensivos, passam dias sem que eu os veja, como um trem expresso que pula estações.
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