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nós que aqui estamos, por vós esperamos

  • Foto do escritor: Carlos Camacho
    Carlos Camacho
  • 29 de nov.
  • 3 min de leitura
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A ignorância que nos assusta é a mesma que nos assombra.


Na crônica anterior, em que falo de uma cena de The Learning Tree, confesso como fiquei assustado por não ter conhecido Gordon Parks antes. Envie-a para uma amiga que me indicou o podcast sobre cinema chamado La 7ima. Fui no primeiro episódio para ouvir sobre cinema japonês e brasileiro, na série por eles chamada de fora do perímetro.


Pronto, já não me bastava a sensação de susto ao me deparar com o grandioso desconhecido, como agora me sentia fora do perímetro cinéfilo. Assustado e excluído. Nunca vi um filme japonês. Logo veio a indicação de dois filmes brasileiros, "Nós que aqui estamos, por vós esperamos", de Marcelo Masagão, e "Viajo porque preciso mas volto porque te amo", de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes.


Anotei os nomes, mas pulei o japonês. Fui primeiro assistir o de Marcelo Masagão, retrospectiva do século XX, documentário em que, após pesquisa insana, se passa em imagens coletadas de diversas fontes e com música ininterrupta que silencia somente para ouvirmos as explosões das bombas da Segunda Guerra.


Assisti sem respirar; assustado com aquela sensação de ignorância por não ter visto antes. Assombrado com a sua grandeza. A minha noite fez-se única. É uma obra de arte. Sem narrador, frases pululam ao longo do filme:


"Tornamo-nos uma máquina de esperar. No momento esperamos a comida, depois será a correspondência e a qualquer momento uma bomba inimiga que poderia acabar com nossa ansiosa e tediosa espera". Henrich Straken, soldado alemão.


"Dizem que em algum lugar, parece que é no Brasil, existe um homem feliz." Maiakovsky.


Há destaque para as mulheres, num capítulo chamado Elas, com uma cena em que um policial mede o comprimento da saia de uma moça, Doris White, em Atlantic City, 1901; com seu direito ao voto conquistado em 1920. E a música ao fundo nos levando para o século passado, de Astaire e Garrincha, numa passagem em que ambos dançam sob a mesma música? Ambos se intercalam rapidamente na tela; Garrincha sapateia e Asteire dribla.


Genial!


Eu assisti novamente no dia seguinte. Este filme passa nas escolas? Enviei para minhas filhas. Como eu não vi este filme antes...? A ignorância que me questiona é a mesma que me conforta. Desse podcast para outro de filmes clássicos, seguindo-se para um de filmes italianos. Um rolo infinito de dicas. Alguns verei; outros não. É exatamente a sensação de finitude infinita.



A curiosidade, afinal, é a lenha da locomotiva toda.


Esse mar desconhecido que torna caravelas insignificantes ao mesmo tempo em que as transporta para novos mundos. Um dia comum não nos completa. Poesia. Música. Filmes. Viagens. Receitas. A praia que nunca estivemos, o prato que nunca provamos e o que de novo desbravamos ao longo da vida; esse universo desconhecido que nos assusta e nos assombra fantasticamente depois que o túnel termina.


Lembro-me do bêbado conversando com Raskolnikov, de Crime e Castigo...O homem tem que ir para algum lugar, o homem não é nada se não tem para onde ir. Porque, cedo ou tarde, vamos em definitivo para o desconhecido eterno; não o terreno. E, todos os que lá estão, esperam por nós no mesmo tempo em que esperamos pelos que aqui chegarão.


A ignorância que nos empaca é a mesma que nos galopa.


Eu não sei aonde você quer ir hoje.


Eu? Contiuo assustado.








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