Ainda descíamos do carro quando ele estacionou ao nosso lado e passou. Moreno, alto, bonito, de jeans claros, mocassim, barba aparada e óculos escuros. Uma camiseta branca por dentro; só a parte da frente. Alto, corpo de academia. Barba feita. Virei para a Dani e falei, bonitão hein, viu?! Ela deu risada. Ele entrou e se sentou sozinho numa mesa mais ao canto.
Nos sentamos e fomos de chopp artesanal.
Papo vai, papo vem, e aí Dani, o bonitão tá sozinho? Sim, pediu um drink. Seja mais específica por favor. Um gin tônica. Limão ou laranja? Algum tempo depois, ela chegou. Beijo na bochecha. Sentou-se ao lado dele. Loira não natural, aparentando ser um pouco mais velha que ele. De sandálias pretas magníficas, lindas, jeans e uma blusa preta com os ombros à mostra; atraente.
Tatuagem gasta nas costas e uma pulseira prata com um pedaço de osso. Corpo de academia. Bonitona. Maquiagem na medida. Pediu um gin tônica igual ao dele. Daí em diante, resolvemos brincar de detetive e descobrir um pouco mais sobre o casal com os elementos que tínhamos. Nas minhas idas ao banheiro, passava do lado para ouvir um pouco do que falavam.
– Dani, quando for ao banheiro passe do lado da mesa por favor.
Tudo muito discreto fiquem tranquilos.
Não dominou o nosso assunto, conversamos normalmente conversa de bar, com algumas atualizações intercaladas. Taberna Leuven em Piracicaba, na Vila Italiana de Monte Alegre. O bar fica ao lado das ruínas da Usina Monte Alegre. Eu que tinha escrito sobre urubus na crônica anterior aproveitei para tirar foto de alguns que descansavam no topo das ruínas. Pude imaginar por alguns instantes o engenho funcionando e o local exato onde provavelmente ficava a roda de moagem.
Antes de destilar o seu humor ácido, mas vai para o bar e fica prestando atenção nas mesas ao redor, reflita quantas vezes você ficou olhando o Instagram enquanto outros estavam em sua própria mesa. Continuemos.
A observação é, antes de tudo, um dos inúmeros meios de aprendizado. Observar é aprender. Nos filmes da Guerra Fria a minha parte favorita é sempre aquela parte do treinamento do espião onde ele tem que mapear o ambiente em alguns segundos; da entrada até se sentar. Eu não raro brinco de espião nos bares. Foi possível assim traçar um perfil do encontro.
Foi o primeiro deles fora da academia em que ambos treinam. Ele é de outra cidade porque a placa de seu carro não era de Piracicaba. Ela foi de Uber. O destino de ambos? Outro bar; talvez uma transa louca. Bem ao meu lado um casal de cinquentões comendo uma baguete gordurosa e tomando pilsen. Na mesa maior uma família de sogro e genro; fumantes de cigarro longo. Pediram muita comida e o mais novo não se lembrava o nome daquele presunto de pernil.
– Parma!
Quase falei mais alto para o ajudar o rapaz. No centro, pai, mãe e uma filha pequena que desenhava entre seus brinquedos. Já estavam de saída. Agora, antes de continuar, vou rever o texto para seguir a dica de Stephen King em On writting: escrever é contar uma história, reescrever é excluir tudo o que não faz parte dela. Resolvi excluir a parte que falo da foto do Urubu. Veja como está desconectada do suspense central do casal jovem de bonitões e da brincadeira de traçar o perfil do encontro. Resolvi também eliminar a parte que falo das outras mesas. Ou foco no casal de bonitões ou foco no ambiente como um todo, destacando ainda mais observações das outras mesas e mais descrições do local, quiçá falando do garçom, do cardápio e da Red deliciosa que tomamos.
Vai, solta, não aguenta né?
O foco não deveria ser a morena bonita que está bem na sua frente, de óculos escuros e sorriso doce? Ela também apostou no match. Vocês não têm ideia do que se aprende com filmes de espiões. Quando saímos eles ainda estava lá; já na segunda dose. Ah, primeira vez que usava aquele mocassim; fazia tempo que ela não se demorava tanto para se arrumar antes de sair. A pulseira invertida ela voltou para colocar às pressas depois que fechou a porta de casa.
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