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Mangue Seco

  • Foto do escritor: Carlos Camacho
    Carlos Camacho
  • 20 de fev. de 2021
  • 3 min de leitura


Até hoje as dunas de Mague Seco, às margens do Rio Real, que divide Sergipe e Bahia conta histórias de Tiêta do Agreste. Vindo de Aracaju, um barco a R$ 70 ou uma lancha a R$ 110,00 faz a travessia até o pequeno povoado.


Paulinho é o nome do nosso bugueiro.


Vai nos contando as gravações da novela que se passaram e diz que a filha de Sulla, esta prima de Jorge Amado, ainda mora no vilarejo. Algo assim. Fugindo da Ditadura, hospedou-se ali cujas dunas fizeram nascer a obra prima. Os bugueiros se organizaram numa cooperativa dando oportunidade aos 70 se revezarem nos passeios com os turistas. Antes era uma bagunça só, agora está organizado.


Paulinho conta história, tira foto e fala um pouco sobre a política local. O lugar é lindo. As dunas de hoje não são as de ontem. Foram obrigados a estancar o movimento delas com o plantio e manejo de uma vegetação rasteira antes que invadisse o povoado.


As dunas de Tietâ não são as que eu vi.


De igual só a envergadura dos coqueiros e o branco poeira das dunas. A areia de hoje não é a areia de ontem. Dá vontade de chegar em casa e ler o livro. Ler o Nordeste. Coqueiros e dunas formam uma paisagem única. A beleza se forja no contraste. Da areia nasce uma árvore que se movimenta sem parar com as brisas incessantes do litoral.


De tudo no Nordeste, seu povo, sua beleza, seu contraste infinito, é o vento que mais me encanta. Não descansa. É uma brisa brasileira que não se cansa. No dia seguinte fomos na mesma direção vindo de Aracaju mas paramos na Praia do Saco. É um saco quase fechado mesmo. Ali, em vez de só comer os caranguejos fui ver como eles os conservam antes de servi-los, já que só são mortos às vésperas do pedido.


Os bares e restaurantes que os oferecem tem um tanque quadrado ou redondo com uma porção de água. E ali vivem alguns dias antes de entrarem para a fervura. O caranguejo se ceifa com uma faca entre os olhos. As patas são mais saborosas. Sua carne é leve e macia. Quando se mistura com o vinagrete com coentro formam um contraste único. Depois de degustar alguns deles, vamos entendendo um pouco melhor o ritmo local. Vamos quebrando a carcaça e quando me dei conta estava ali concentrado já há alguns minutos.


É preciso paciência para ir quebrando e comendo.


Quase a cerveja esquenta. E quase se esquece do celular.


É um trabalho desproporcional à quantidade de carne que ele oferece. Muito trabalho para pouca recompensa. O contraste do Nordeste. Logo me dei conta que o barato não é só comer. É quebrar. Logo você percebe onde bater para extrair a maior quantidade de carne sem despedaçar a carcaça. Onde quebrar e onde chupar. Eis a segunda e última crônica sobre Aracaju. Voltar a viajar é bom demais, pelo Nordeste melhor ainda.


Para concluir, Mangue Seco na descrição de Jorge Amado, em Tieta do Agreste:


“Do outro lado da barra, a beleza da praia larga e rasa do Saco, em mar de águas mansas, no Estado de Sergipe, a ampla aldeia de pescadores, com armazém, capela e escola, um vilarejo. O oposto dos comoros monumentais onde ela se encontra, a invadirem as águas, o espaço do mar, contidos pelos vagalhões na fúria da guerra. Aqui o vento deposita diária colheita de areia, a mais alva, a mais fina, escolhida a proposito para formar a praia singular de Mangue Seco, sem comparação com nenhuma outra, aqui onde a Bahia nasce na convulsa conjunção do rio Real com o oceano. Dúzia, dúzia e meia de casebres provisórios, mudando-se ao sabor do vento e da areia a invadi-los e soterrá-los, morada dos poucos pescadores a habitar desse lado da barra. Durante o dia, as mulheres pescam no mangue de caranguejos, os homens lançam as redes ao mar. Por vezes partem em pesca milagrosa, audazes a cruzar os vagalhões altos como as dunas nos únicos barcos capazes de enfrentá-los e prosseguir mar afora, ao encontro marcado com navios e escunas, em noites de breu, para o desembarque do contrabando.”


Vão.

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