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Hollywood

  • Foto do escritor: Carlos Camacho
    Carlos Camacho
  • 18 de dez. de 2020
  • 3 min de leitura

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Alergia é um negócio doido.


Tenho presentes a imagem e o cheiro do espetinho que me avisou que eu era alérgico a camarão. Posso descrever com detalhes o ambiente em que estava. Acho que tinha uns doze anos. Na praia. Foi a penúltima vez que experimentei camarão. A última foi uns quinze anos depois desse primeiro incidente.


- Deixe-me ver como é o gosto e aproveito para saber se ainda sou alérgico.


Idiota. Era.


Logo virei um estorvo para as paelas; os bobós e outros pratos que devem ser maravilhosos com essa iguaria. O alérgico é um mala do bem; é mala porque obriga o cozinheiro a fazer uma porção separada, um prato extra, ou o que é pior, fazer com que a família troque a paella marinera pela valenciana. Em pleno litoral!


Do bem porque ele nasce assim; o coitado. É completamente inocente. O problema não é exatamente o reagente indesejado mas o momento da descoberta: aqui reside todo o perigo. Quando estagiava tinha um advogado alérgico a picada de abelhas que protagonizou uma cena de filme. Tomou uma picada na estrada, de uma abelhinha linda que entrou pela janela. Estava quase sem respirar, entrou numa cidade qualquer e chegou ao Hospital em tempo de falar que tinha tomado uma picada de abelha e, quase sem voz, desmaiou.


Hollywood.


Se bem que ele adorava aumentar um pouquinho as histórias.


Hollywood.


Mesmo assim ele deve ter passado apuros. Outro dia levei a Dani depois de meia hora que levou a picada.


­- Minha garganta está fechando.


Fui para o hospital buzinando que nem um maluco, com o pisca-alerto aceso, e rápido, muito rápido, entrei com o carro na emergência do Hospital. Entrei gritando picada de abelha, emergência, emergência!


Hollywood.


Sempre tive vontade de entrar correndo na emergência do hospital, nos dá uma sensação de que estamos salvando uma vida. Depois que você descobre quem é o seu algoz fica tudo mais fácil. No restaurante eu aviso. Os alérgicos a abelha carregam uma seringa consigo se forem a lugares inóspitos.


Eu sei, todo alérgico é exagerado. Dramatiza.



Não os culpe, foram obrigados a se comportar dessa maneira. Ninguém acredita da primeira vez e ainda mais se você se expressa mansamente. Durante algum tempo eu só perguntava ­



- Viu, tem camarão?


– Não Senhor, não tem.


Mas um dia descobrimos que o óleo que frita camarão frita peixe. Tipo pau que bate em Chico bate em Francisco. Ou aquele prato sem camarão preparado em seu caldo. Aí eu mudei de estratégia.


­– Certeza que não tem camarão? Uma pequena quantidade e minha garganta fecha e tenho que ir direto para o Hospital, onde fica o mais próximo a propósito?


– Senhor, um minuto vou verificar na cozinha.


Assim, depois que a gente descobre é mais um item em nossas vidas para administrar, como o orçamento doméstico. Alergia é como a nossa paciência, só que uma aparece e fica; a outra um dia vai acabar. Você pode tolerar algo por muitos anos e, de repente, vem a alergia como vem a falta de paciência: um surto! Ele diz chega! Uma hora você rejeita e pronto. Pois bem toda essa volta porque tive - hoje - uma rinite alérgica. Pó. Ácaro. Você começa a espirrar e o seu olho fecha. Só o direito, o que aumenta ainda mais a bizarrice. O olho vai ficando vermelho e fecha.


Repare que a resposta do corpo para alergia é sempre fechar alguma coisa. O camarão fecha a garganta; a rinite o olho! Sem paciência a gente fecha a cara. A rinite é mil vezes mais traiçoeira do que o camarão ou a abelha. Estes a gente vê; o ácaro não. Além de não saber quando vem, não sabe de onde vem!


Será que a rinite bloqueia a alergia do camarão? Idiota, vai brincando. Garganta fechada. Olho fechado. Cara fechada. Ácaros desgraçados.

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