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heranças...

  • Foto do escritor: Carlos Camacho
    Carlos Camacho
  • 2 de out. de 2020
  • 3 min de leitura

Atualizado: há 3 dias


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Vamos abrir rapidamente o baú de guardados de família.


Uma gaveta na verdade. Logo acho uma poesia chamada “heranças” escrita por papai. Sem data. Ao lado, à mão: “Para você Luiz Alberto. Com todo o amor que eu te quero dar, dou e não dou porque sou fraco e faço de meus afetos meus piores...Seu pai. Acredita sempre! Acredita!”.

Heranças:

“Eu não sei em que tempo me acho,
em que mundo me faço,
e que horas eu passo
e me vou, como alguém que parte
e deixa:
Um amor sendo amado,
Uma casa incompleta,
Um sorriso ainda nos lábios,
Um livro pela metade,
Um filho apenas crescendo.
E,
Nestas andanças
matei esperanças
E meu coração nem chorou;
E
nestas andanças,
guardei lembranças,
e meu coração, então, chorou:
Um amor já amado;
Uma obra largada;
Um sorriso sem lábios;
Uma história esquecida
e um filho que vive esperanças
que nele deixei.
Não matei. “

Há muitos outros escritos dele nunca publicados. É o segundo de papai que posto aqui nas crônicas. Curioso. Num momento de aperto em que eu me sento para escrever já às quase vinte da noite sem qualquer ideia sobre o assunto da crônica de amanhã eu me pergunto quem poderia me ajudar, algum rabisco guardado, talvez a cópia de uma receita com um rápido comentário, uma descrição frenética da insanidade que é fazer uma simples pintura daqui de casa, algo que me desincumbisse muito rapidamente do encargo.


Abriria uma cerveja e quase como um copista a crônica emergiria...sem que eu precisasse mesmo pensar à beira do esgotamento. Até poderia ser a descrição frenética do gotamento, expressão que não existe, pois dá-se o nome de gotejamento quando o seu ar-condicionado respinga agoniado ele próprio suando por causa deste calor insano. Inferno. A que estava inédita eu postei no sábado passado.


Cogitou-me escrever sobre um livro maravilhoso que estou lendo do Luc Ferry, aprender a viver, mas logo me desanimo porque terei que pensar demais. Não estou a fim de divagações; tenho que me virar rapidamente.


A vida como está; aqui e agora.


Estou no capítulo em que ele fala de Nietzsche, já na pós modernidade. O homem com ele mesmo lidando com as suas angústias; sem muletas metafísicas. Ele aborda as principais visões de mundo, as filosofias desde a sua origem, e vem nos explicando como os homens foram lidando com a angústia da finitude ao longo dos tempos.


Papai lidou com a sua finitude de diversas maneiras ao longo de sua vida. Por um tempo foi escrevendo poesias. Por outros tempos eu vou contando vez por outra. Essa consciência da finitude deveria nos ser mais constante. Assusta-me. Espanta-me o homem que, tardia e subitamente, toma essa consciência ao escovar o dente num sábado de manhã logo após tomar o seu café preto. Estou aqui com as heranças de papai que, com algum sucesso, prolongou a sua vida além de suas lembranças.


Seus escritos. Nossas heranças.


Postumamente, por uma poesia guardada e esquecida, ressuscitada pela preguiça de seu filho, suas reflexões sobre a finitude me chegam.


Aprender a viver é aprender quais as esperanças mataremos.


E quais guardaremos, certo pai?


Por vezes nossos corações vão chorar. Outras, pedras. E um filho crescendo...Um brinde! Tomo minha cerveja preferida bem gelada enquanto minhas filhas à deriva e ao largo se entretém. Também Summer, a pequena Golden que se nos juntou há pouco.


Eu os vejo crescendo neste instante completamente à toa enquanto aprendo a viver.


Vivendo.


Escrever é aprender a viver.

 
 
 

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