Quando enfim a minha rotina me soar tão maçante e disciplinada desconfiarei que já esteja voando por aí; sem motor, asas ou sapatos. Não se enganem, admiro as pessoas disciplinadas. Mas eu de tal modo aprendi a viver cíclica e disciplinadamente com a minha indisciplina.
De tempos em tempos é preciso arejar a seriedade forense e os ritos processualísticos do trabalho; algo se me agrega inconscientemente e um novo hobby surge. Leitura. Triáthlon. Um novo negócio. Poesia. Filmes. Bourbon. Sexo. Culinária. Queijeiro. Drone. Escritor. Viagens. Jardineiro. Blog. Fotógrafo. Pimenteiro. Corrida. Mais trabalho. Minas Gerais. Luiz Gonzaga. Estudo. Música. Cachaça.
Lógico que não nessa ordem. Eu invariavelmente entro surpreso e indignado num mundo novo, como tudo isto sempre existiu à minha revelia? Sim, “manias” tendem a voltar. Fiquemos com a última delas: o vinho. Reparem que há uma premissa equivocada no início deste texto: como se as pessoas disciplinadas não pudessem ter hobbies. Referia-me especialmente àquelas que “não ficam inventando novas atividades” ao longo da vida, ou ao menos as reduzem ao mínimo necessário.
O óbvio que precisa ser dito: não tem certo nem errado, que este seja melhor que aquele, ou vice-versa. Grave é não saber o que somos. Em algum momento da vida eu aprendi que saber como somos talvez seja mais importante do que propriamente ser; do que propriamente viver. Eu não tenho a menor qualificação filosófica para distinguir um do outro. Facilitemos: viver sem autoconhecimento é mais perigoso do que descer desavisadamente o Morro dos Prazeres em Santa Tereza.
Eu preciso urgentemente parar com esses introitos subjetivos. Eu até tento, mas não rola. Talvez o que eu goste mesmo não seja escrever crônicas; mas rezar. As minhas preces já há muito se dão neste exato momento em que eu, com música ao fundo, fingindo conversar com os leitores fantasmas sobre o “cotidiano”, falo comigo mesmo. A minha avó Cidinha era rezadeira de verdade. O meu pai conhecia a Bíblia. Eu gosto mesmo é de contar as suas histórias através de minhas lembranças disfarçadas de crônicas.
Contento-me em contar como um amigo volta ainda mais próximo depois de tanto tempo em que as vidas se impuseram. Já escrevi textos enfurecido. Está certa a concordância. Não foram textos furiosos. Eu, furioso, os escrevi não necessariamente furiosos, os textos. Outros eu escrevi pela obrigação de escrever, numa tentativa exitosa de avisar a indisciplina que nem sempre ela reinará sozinha.
Dei-me então conta que seria preciso fazer algo. Sentei-me um dia e chamei as duas para uma conversa séria. Uma tomou soda com limão; a outra um spritz campari. De entrada pediram, cada qual, insalatta e prosciutto crudo. Primo piatto? Risotto allo zaferrano com pasta di salame e pasta di pesto alle genovese. Cada qual. Di secondo, bracioli di maiale al forno com una bottiglietta de vino rosso. L'altro ha ordinato un petto di pollo, com una gasosa. E i due hanno iniziato a parlare mentre io li guardavo seriamente. Che bello!
È stata una delle migliori conversazioni che abbiamo avuto.
E da allora, ogni volta che si presentano problemi, ecco come risolviamo. Mangiando con il vino rosso.
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