Uma crônica que se faz para cumprir a programação começa sem assunto e sem graça. Passo a semana em revista à cata de algo digno de nota.
Nada.
Algo pitoresco que pudesse ser uma experiência comum divertida.
Nada.
Na paisagem que se apresenta à minha frente nada de diferente. A montanha segue verde e está no mesmíssimo lugar. O sol está aqui. Pessoas e formigas circulam como fazem todo Sábado. As moscas voam e continuam me irritando. Aí esse lance da mosca não tem um episódio engraçado? Não. Nada. Não darei crédito a quem me irrita. Talvez alguma receita diferente, a descoberta de um chef novo. Sim, houve. Mas nada que eu queira falar. Então, não tem crônica boa? Não. Não tem.
Tanto faz como tanto fez?
Sim.
Uai, uma semana comum, de coisas comuns, com paisagens comuns, receitas comuns, tarefas comuns e trepadas comuns? Boas, mas comuns. Nada digno de nota? Não, nada. Preocupações comuns de trabalho. Conquistas comuns de trabalho. Uai, mas como assim? As conquistas não devem ser comemoradas, até as menores delas? Sim. E? Eu comemorei comumente as conquistas que sempre comemoro comumente.
E?
E nada. Uai. Nada.
Então conte um causo do escritório, um processo diferente, um cliente caricato talvez? Não. Nada engraçado o suficiente. Os herdeiros em litígio seguem sem acordo. A mulher quer o patrimônio do morto pela união estável. Shoppings seguem cobrando seus boletos e lojistas seguem pedindo a redução dos custos de ocupação. Nada demais. Seguem todos fazendo o seu trabalho como as moscas e as formigas.
Que chato. Que sem graça.
Sim. Uai, qual a novidade?
Abri a crônica dizendo exatamente isso. Eu sei, mas imaginei que depois que você aquecesse, acabaria lembrando de algo que fosse pitoresco; ou até mesmo uma indignação qualquer.
Não. Nada. Não rolou.
Então encerre a crônica!
Melhor do que deixar as pessoas entediadas.
Não posso; faltam umas duzentas palavras. De que adianta escrever assim por escrever, então reclame da vida, ao menos assuma um assunto. Não. Não gosto de reclamar da vida. Mesmo quando ela reclama de você. Uma música nova nesta semana? Nada. Ouvi as mesmas músicas que sempre ouço, as mesmas playlists. Não visitou nenhum lugar diferente? Não, nenhum. Alguma alegria ou decepção de suas filhas? Sim, houve. Pronto, leitores adoram histórias de filhos. Não, não dá mais tempo, impossível contar algo realmente bom sobre nossos filhos em cem palavras. Não vai rolar. Seu pé de manjericão? Que tem ele? Está comumente verde, bebendo água e temperando as comidas, exatamente como sempre fez. Nada demais.
Eu realmente tenho dificuldades de entender a razão pela qual você escreve uma crônica sem ter nada diferente para contar, afinal o objetivo delas não é exatamente compartilhar seu cotidiano, a vida, e tanto melhor se forem divertidas?
Vá para o Insta, não me encha o saco.
Não é a vida que não te apresentou nada diferente, você é quem não prestou atenção, ou você acha que uma semana pode ser igual à outra? Pode. Preste mais atenção na próxima, ou ninguém lerá mais nada se nenhuma novidade aparecer!
Vá se foder.
A crônica acabou, você é pior que mosca.
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