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o mundo não para de interferir

  • Foto do escritor: Carlos Camacho
    Carlos Camacho
  • 22 de ago. de 2020
  • 4 min de leitura

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"Enquanto o conhecimento temeroso se detém em reflexões, a ignorância audaciosa já liquidou o assunto" Samuel Daniel.


"Bem, para ser franco, Charlie, estou temporariamente fora de forma. Tenho que voltar à condição em que poderei de novo escrever poesia. Mas onde está o meu equilíbrio? Existem ansiedades demais. Elas me deixam completamente seco. O mundo não para de interferir. Tenho que recuperar o encantamento. Tenho a impressão de que estou morando num subúrbio da realidade e todo dia viajo para o trabalho e depois volto para casa. Isso tem de parar. Tenho que me situar. Estou aqui".


É tanta genialidade que não me basta ler. É preciso escrevê-lo aqui. Memorizá-lo. Não quero esquecê-lo. Talvez citá-lo na mesa do bar ou numa live. Tirei-o do livro que estou lendo para iniciar uma crônica sem ideia acabada; precisava de um começo para que o branco-texto já não me paralisasse. Na verdade estou acometido de uma inquietação que não me sai ultimamente; na busca por um ambiente mais político, mais filosófico, mais cultural até, estou paulatina e sutilmente me sentindo cobrado por mim mesmo para criar (ou manter) um posicionamento mais claro sobre temas, fatos e conceitos. Sobre as coisas da vida.


Como se dois icebergs me afastassem os pés e eu corresse sério risco de afundar em águas geladas se não pular para um dos lados. Num deles há um urso polar faminto mas que não posso vê-lo no momento de minha escolha; só o rastro de seu sangue fresco. Vivenciamos uma explosão da divulgação do conhecimento na internet escancarando um cenário transformador.


Jornalistas migrando da mídia convencional para o Youtube. Canais para a Direita. Canais para a Esquerda. Muita gente boa. Os três mosqueteiros Ponde, Cortella e Karnal, com o Clovis d'Artagnan. Dá vontade de ler livros sobre política, filosofia e psicanálise. Ah, sem contar os vídeos incríveis de humor e stand up. Do Youtube vem a dica de um livro que você compra pelo celular e pode lê-lo em seguida no seu Kindle. Para entender a origem e a evolução da esquerda você pode assistir Trotsky no Netflix e se inteirar dos bastidores da Revolução Russa, ver quão comedor era Trotsky e aos poucos aclarando conceitos que nos são vomitados diariamente.


Depois que ele é assassinado no México, você pode cursar "Russian History: from Lenin to Putin", da UC Santa Cruz no Coursera. Arremate com a (re) leitura de Crime e Castigo, de Dostoiévski, não sem antes ver a resenha no canal da Tatiana Feltrin ou as reflexões literárias de Flávio Ricardo Vassoler sobre o autor. Para um conceito do dia sobre uma das possíveis definições de "esquerda" assista Marcelo Adnet no Youtube. Feche com Gabriela Prioli.


Dê um giro e vamos para os vídeos do Brasil Paralelo, revisitando a história no "Brasil entre armas e livros, 1964" e questionando entendimentos que nos pareciam tão claros. Já há vídeos sobre os Ministros do Supremo Tribunal Federal. Sobre as fake news e a liberdade de expressão o recém lançado "Donos da Verdade". Alongue um pouco mais com Rodrigo Constantino e Fernando Conrado, este no instagram, e termine com a entrevista de Olavo de Carvalho com a Leda Nagle.


Há um estado presente mais visível de inquietação política ou efetivamente esse ambiente todo está nos trazendo uma consciência coletiva e política maior?


A informação é descentralizada.


Jornal Nacional e Jornal da Band não são mais referências absolutas. Estado de São Paulo e Folha de São Paulo já não influenciam tanto a sociedade politica e culturalmente. A queda dos resultados financeiros das grandes mídias - que ainda estão passando pelo processo de adaptação - demonstram a pulverização da informação e publicidade pela internet. Veja que o produto de hoje não é o fato em si: Tício matou Mévio. Não! É a análise desse fato do ponto de vista político e cultural com a percepção da verdade absoluta. O entendimento do comunicador sobre aquele fato.


É preciso mais do que nunca cautela na análise do que se lê. Do que se vê. Do que se ouve.


E cada vez mais absorver todas as visões para forjar a sua. É preciso estar alerta sobre como estamos tratando a liberdade de expressão sob a rubrica de "fake news". Nenhum minuto pode ser perdido, afinal a vida é agora. A geração Y que o diga. Existem ansiedades demais? Sempre existiram, não é mesmo Below? Ansiedade e inquietação são inerentes ao homem. São questões existenciais.


A ignorância perpétua nos seca.


A letargia nos definha.


A bolha nos desidrata.


O lacre nos cega.


Parte da minha inquietação decorre da meaculpa que faço sobre a minha jornada e de meus primeiros 35 anos de vida: classe média obsessivamente focada na conquista do trabalho, no vestibular, no estágio, no primeiro emprego, na ascensão profissional. Tanto foco pela sobrevivência, pelo sucesso empresarial, que nos alijamos da política. Ao ponto de trabalharmos cegamente para sustentar um Estado cada vez maior, ineficiente e corrupto. O paradoxo perfeito do idiota da classe média! Nunca o desconhecido me inquietou tanto, essa consciência de que nada sei, e que só se acalenta com a busca.


Escrever me acalma.


Ler a primeira frase de um livro novo me conforta.


Estou recuperando o encantamento Below; talvez antes não havia tempo para tanto pois o trigo precisava sair do campo e ir para a padaria. Parei de comer pão. Talvez a inquietude deu as mãos para esse mundo próximo e maravilhoso do conhecimento que temos hoje. A inquietação nefasta, afinal, não é essa da busca do conhecimento, tampouco decorre do fato dele, o conhecimento, sentar-se em nossos sofás sem barba e cajado; mas sim dessa percepção de que o tempo, se invisível, nos devora numa só tempestade.


O trecho inicial tirei de "O Legado de Humboldt", do Below.


Crônica de doido. Como deve ser.

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