top of page

esses gênios...

  • Foto do escritor: Carlos Camacho
    Carlos Camacho
  • 27 de jun. de 2020
  • 4 min de leitura

ree

- É um gênio! Mas que filho da puta! Kepesh sonhou que conheceu a puta que Kafka comia.


Como ele teve essa ideia?


Falei em voz alta sem me dar conta e joguei o livro sobre a cama, já em direção da cozinha para fazer o café. Repeti a mesma frase por mais algumas vezes até que a cafeteira italiana fumegasse. Sempre dando muita ênfase na segunda parte, mas que filho da puta! Estava lendo o Professor do Desejo do Roth. Prevendo a inclusão numa eventual crônica, eu separei essa parte:


"Eva (pois esse, segundo Herbie, é o nome da senhora) dá uma longa explicação. Ela acredita que possa ter algum interesse literário para você. Outros que, como você, vieram vê-la por causa de sua relação com Kafka demonstraram grande desejo de ver a xoxota dela e, naturalmente, uma vez confirmadas as credenciais deles, ela se dispôs a lhes mostrar. Diz que, como você está aqui por recomendação minha, terá muito prazer em permitir que dê uma olhada rápida.”.


Respirem agora calma e serenamente, se o ambiente lhes permitir, fechem os olhos e pensem numa boa trepada que já tiveram. Pode ter sido ontem. Anteontem. Ou uma que esteja entre as top ten. Esse frêmito de prazer agora recordado se aproxima da satisfação que tive ao ler as primeiras linhas em que Kepesh, protagonista do livro, exausto, em tour pela Europa, a sonha - mas não sabemos exatamente se se trata mesmo de sonho - sai para visitar a puta que Kafka comeu. Não pela puta. Não porque se trata de Kafka. Mas pela soma das ideias aparentemente sem sentido numa resultante genial para obra que precisa de pontos altos para manter o leitor fiel num enredo relativamente morno.


Não é fácil escrever cenas de sexo.


De um lado a preocupação de não ser chulo, brega ou convencional, e por outro, o desejo de que o leitor se envolva na cena e - se possível - solte até um uau! Nesta obra do Roth há quase nada de sexo explícito e bastante subentendido. A luxúria está nas entrelinhas porque ela faz parte de uma tensão entre desejo e casamento. Lembro-me de dois livros que li - entre abres e fechas de portas do metrô - que são bem mais explícitos: Marques de Sade, a filosofia da alcova, e João Ubaldo Ribeiro com a casa dos budas ditosos.


Aqui no blog escrevi um conto que se chama Laranja Siena. Em dado momento a jovem Mariana se masturba no Parque do Ibirapuera enquanto ouve música encostada numa árvore: "Respiro bruscamente e sinto meus dedos em mim, um sobre o outro, enquanto o meu sussurro suplanta o lamento da ausência física pela lembrança real. A brisa das árvores se mistura com o esse aroma novo. O elixir ideal para um incenso afrodisíaco. Alongo as pernas e relaxo para que meus orgasmos se estendam por todo o meu corpo, meu peito, minhas coxas, meu pescoço, meus ouvidos. Se espalha invisível como o vento. Molhada. Eu abro meus olhos, eu rio. Vejo que há luz.".


E, mais recentemente, num dos capítulos do livro Hana - que está sendo escrito: "Depois do estampido, olhos nos olhos e se atracaram violentamente até caírem no chão. Hana buscava loucamente a boca de Friederich. Ele não largava o pescoço de Hana e disputavam furiosamente quem beijaria quem. Segurou as mãos dela e desceu sinuosamente para a sua barriga. Acalmaram-se até que passou a beijá-la entre suspiros. Molhada e escorregadia, entre espasmos, ela gozava intensamente e seus gemidos dissipavam pela chaminé com a fumaça da lareira." Para saber quem é Friederich e como Hana se envolveu com ele você terá que ler o livro quando sair. Reuni todos os contos já escritos sobre a Segunda Guerra e que se ligam ao pequeno Vilarejo ao Sul do Brasil e os sigo escrevendo para dar enredo apropriado.


Eu não tenho a mínima ideia do que seja um enredo apropriado, fato é que sigo escrevendo os capítulos até achar que devo terminar.


Fato é que logo depois que li esse trecho do Roth da puta de Kafka contando sobre como ele era me dei conta de que há muito tempo não o lia. Lembrei-me ainda que não havia lido o Castelo, o que a esta altura da vida seria imperdoável para alguém cujas primeiras letras de a metamorfose se encontram na primeira página do blog. Livros kafkianos começam sempre de maneira espetacular.


Sob a rubrica de chegada, o primeiro capítulo, O Castelo começa assim: "Era tarde da noite quando K. chegou. A aldeia jazia na neve profunda. Da encosta não se via nada, névoa e escuridão a cercavam, nem mesmo o clarão mais fraco indicava o grande castelo.". Qual teria sido a influência da puta na escrita de "o castelo"? Não me lembro de nenhuma cena de sexo em livros anteriores do Kafka. Roth - profundo conhecedor de sua obra - não teria incluído uma puta em sua vida se ela não influenciasse a sua obra de alguma maneira, certo? Bom, ela aparece como um sonho.


E saibam que eu já morei num castelo.


Não era medieval nem kafkiano; mas seus cômodos vazios e sua completa ausência de mobília fizeram-me com que eu a chamasse de castelo. Poucos na vida tiveram a luxúria e a insanidade de morar num Castelo como eu morei.


O atual dono desse castelo não faz ideia: lá está enterrado um tesouro da minha adolescência, dentro de uma então caixa laranja. Por razões que eu não sei explicar, achei que um dia fosse voltar para pegá-la. Ou teria sido um sonho? Já confundo ficção com realidade.


Kafka, gênio filho da puta!

Comentários


@2025 - Todos os Direitos Reservados - ANTES QUE EU ME ESQUEÇA - CRÔNICAS E ESCRITAS - From WWEBDigital

bottom of page