Duas atividades me excitam. Sexo e padaria. Não, nunca fiz sexo na padaria entre fornadas de cacetinho. Da primeira, portanto, não falaremos hoje. Nada impede que você, leitor, você, leitora, de algum modo, se imagine entre farinha, manteiga e batidas de chantilly...e dê assim cores ao seu fetiche ainda não satisfeito. Dou-lhe apenas a dica de não focar só na compania mas também no quitute. Pode focar na compania que trabalha na padaria que você frequenta. Pode também ser a morena que toma habitualmente o seu suco de laranja com omelete mineiro. Pode ser o bonitão descolado que pede uma vitamina com aveia e um misto quente com tomate verde.
Acaso jamais tenha tido qualquer pensamento nesse sentido, tudo bem. Tá tudo bem. Você está dentro de 98% da população brasileira, uma margem pra lá de confortável. Dito isso, avancemos. Costumo sentar junto ao balcão e pedir o combo clássico: média escura e pão com manteiga na chapa; prensado. Se bem que ultimamente tenho substituído o pão pelo ovo. Mas isso não tem importância para o desenrolar do texto. É só um contexto para dizer que, no mais das vezes, sobretudo se for feriado ou sábado, pegaremos a fila do pão.
Eu já me peguei muitas vezes na fila do pão mas jamais me perguntei exatamente quem eu seria nela.
- Pode passar senhora, estou aqui a me decidir exatamente quem eu sou.
Eu não achei a origem da expressão, mas é uma das frases que mais ouço ultimamente em razão da profusão de lives nas redes sociais. Disposto a conhecer melhor os perfis do insta vinculados a este blog decidi interagir mais. Participar para criar engajamento. Aí num intervalo qualquer entrei numa live de uma academia de dança. Não mais do que vinte pessoas mas logo me perguntaram quem era antes_que_eu_me_esqueça. E na sequência...na fila do pão. Ai me deu um estalo. Para ganhar tempo respondi que era um blog de literatura. Mas ela insistiu.
- Sim, mas....do que mais?
- Escrevo crônicas.
-Sim, mas como você se chama? Após dizer o meu nome a moça da live se deu por satisfeita. Ainda bem que ela parou por aí. Se tivesse que prosseguir e dizer quem eu seria na fila do pão provavelmente minha resposta seria redundante.
- Meu nome é Carlos Camacho. Tenho um blog de crônicas que se chama antes_que_eu_me_esqueça.
Mas os ouvintes gostam de credenciais não de redundância. Você, leitor, você, leitora, você que é você e não José, você que é você e não Maristela, saberia dizer de pronto quem é você na fila do pão? Repare prontamente que os ouvintes atentos saberão por onde você começará e perceberão a sua ordem de valores das coisas na vida e - salvo expressa disposição tua em contrário - terão a ideia exatamente do que você valoriza mais.
O mais importante costuma vir primeiro.
Algo como: - Ah, meu nome é Marcela Astreintes, como vocês sabem, sou artista plástica e capista, sou mais conhecida por fazer nudes monocromáticos e temas a eles relacionados". A maioria das pessoas começa pela profissão, já repararam? Poucos entregam a idade. De qualquer modo a apresentação está sempre ligada ao tema sobre o qual será a conversa. Se live sobre literatura quais livros você escreveu ou está lendo. Se live sobre COVID seus estudos prévios. Se live sobre relacionamento familiar, se impõe nominar de imediato todos os membros da família. Se live sobre culinária....não sei. Não vi ainda nenhuma live sobre culinária.
Aproveite a sua próxima ida à padaria e, na fila do pão, pelo exato tempo em que ela durar, defina-se quem é você. Depois, treine a sua apresentação nas próximas vezes. Assim, você será capaz prontamente de dizer quem você é numa fila de pão que dure de 1 a, até, 5 minutos. Importa mesmo é que você - indagado - saiba dizer exatamente quem você é na fila do pão, acredite.
- E se, quando já estiver na fila, em vez de me decidir quem eu sou na fila do pão meus pensamentos matutinos e involuntários me desviarem fixamente para o bumbum saltitante que se encontra bem ao lado da bisnaguinha Panco?
Não se entregue com facilidade. Diga, na próxima live, que você se chama tal, formado em tal e uma pessoa muito observadora, inclusive na fila do pão. Sim, você já deve ter percebido uma adaptada do marketing.
Uma coisa é você na fila do pão secando o bumbum saltitante. Outra, completamente diferente, é dizer na live que você na fila do pão se transforma no tarado do cacetinho, o pão. Digamos. Cautela, portanto.
Ajude-se; exemplificativamente: tarado do cacetinho que seca bumbum saltitante adaptar-se-á em observador profundo do cotidiano. No máximo observador do cotidiano profundo. A neurótica da proteína em ceto adaptada, o gordo convicto que chuta o balde em livre das regras socialmente impostas, o escritor de um livro de merda, ou um blog de merda, em escritor de experiências literárias da alma em trânsito pela constelação oculta.
É só uma adaptação para a fila do pão. Depois, com calma, na live, você poderá se soltar um pouco mais e entregar ao ouvinte um pouco mais de realidade. Só seria um pouco perigoso algo como, de chofre:
- Caralho, quem eu sou? Ah, sou o tarado do cacetinho que seca bumbum saltitante, come carolina até a azeitona espirrar o caroço e pensa em enfiar bisnaga com gosto de vento na boca de criança birrenta
.....e depois escreve essa merda toda numa crônica qualquer.
Olhe lá hein! Be smart in tought times.
Comentários