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contra o vento

  • Foto do escritor: Carlos Camacho
    Carlos Camacho
  • 22 de mai. de 2020
  • 2 min de leitura

Atualizado: 14 de dez.


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Fiz a rotatória da estrada sete vezes voltando para casa depois de ver as minhas filhas aqui na cidade vizinha. Foi nessa semana no final da tarde e começo da noite. Na segunda volta eu me levantei da moto contra o vento nem quente nem frio.


Transpassava indiferentemente revolucionário.


Tocava Cat Stevens, Father and Sun. Só sai da rotatória depois que a música terminou.


Eu não queria voltar para casa.


Dificilmente sairia de lá tão cedo; tão logo.


Voltei, depois de alguns minutos peguei mais uma rotatória. Mais algumas voltas e estrada novamente; diminui a velocidade para que me demorasse mais e mais a chegar. Passando pelo presídio me lembrei de Johnny Cash... Folsom Prision...parei no topo do morro para ouvi-la; senti o vento nem quente nem frio.


Transpassava indiferentemente refratário.


Voltei para a estrada já sem rotatória porque afinal eu tinha que chegar em algum momento. Preciso marcar oportunamente um rolê de moto com o meu irmão. Desses que a gente bota esse chapéu aí da foto como ele fez. Desses que duram dias e noites. Desses de chegar na pequena cidade do interior, encostar a moto na pousada e caminhar até o bar onde a cachaça local transpassa indiferentemente macia. Somos nós os humanos habituados a clamar pela chuva na seca e pelo sol no dilúvio.


A correr atrás da ausência.


O viajante quer um albergue na beira da estrada quando a noite pisca o farol já cansado de iluminar.


O escritor quer pegar a estrada que passa por detrás de suas linhas imaginárias e parar na fronteira de dois países amigos. Depois, talvez, subir no trem que vá até a cidade grande onde há iminência de uma guerra civil. Eu só quero ter sempre a certeza de que vejo o tempo passando disfarçado de vento, beijos, risadas e abraços. Ainda que ele se disfarce de desgraça. Bom, ainda que o tempo se disfarce de ausência. Ainda que se justifique necessário e se mostre cruento na escassez; na miséria.


Lógico que a estrada chegou na cidade. A estrada sempre chega ao teu destino.


Sim, tive que pegar mais uma rotatória para chegar em casa.


Não é a mesma coisa. Bom mesmo é pegar a rotatória sem ter que sair dela. Nunca na minha vida eu tinha feito mais de duas voltas numa rotatória sem precisar. Não deveria mas vou confessar. É a única hipótese físico-quântica em que você engana o tempo. Simplesmente porque fazemos algo completamente inesperado para a rotatória: ficar nela. Nenhuma rotatória espera que você circule várias vezes nela. Ela quer que você apenas passe por ela e vá nalguma direção.


A rotatória é a materialização do tempo: só faz sentido na efemeridade, pelo exato tempo que você estiver passando por ela.


Dedico esta crônica a todos os motoqueiros; esses viajantes que gostam de ver o contra-tempo transpassando o contra-vento.

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