Piauí
- Carlos Camacho

- 3 de nov. de 2019
- 2 min de leitura

Não sei se o texto vai ou não para a Piauí. Não devo ter leitores por lá; tampouco Acre, Rondônia, Macapá e Maranhão. Já algum tempo deixei de ver as estatísticas deles, já considero dever cumprido o texto posto; postado. A criatividade é inversamente proporcional ao estresse havido na semana, eis que só hoje no sábado à tarde é que me sossego a escrever.
Como nos consome o Brasil, como nos consome a empreitada de fazer dinheiro apesar de tantas Brasílias cruzando as nossas frentes. Ainda somos grande e pujante, lerdo e letárgico, mal acostumados com jeitinhos e com uma malemolência tropical que nos joga de lado e não pra frente. Deixei uma filha numa fazenda para uma festa de aniversário. Chegando na casa grande passo pelo boi e logo imagino suas costelas na pressão. Com a outra filha, parei no mercadão municipal de Piracicaba. Costela bovina e aipim. Alho, cebola e tomate. Vou direto para a Banca do Valdir. É um careca gente boa, virei seu cliente quando precisava de salsinha fresca, boa e barata. Era quase meia bancada com o cheiro forte da salsinha. Desde então, entro pela porta principal, primeira à direita e segunda à esquerda.
Filha, a ordem será a seguinte: banca do Valdir - Açougue São Judas - pastel - açaí e, se der tempo, passamos no Mori. Era preciso saber se tinham Morhua; e o preço. Tudo jogo rápido filha, temos meia hora para tudo. R$ 12,50, coloquei duas cabeças de alho de brinde. Na banca do Valdir:
-Obrigado Valéria, teu pai tá bem? Tá tudo bem? Você parece que está um pouco estressada hoje...
-Ah, nem te conto...Mas o que aconteceu? Ah, meu pai ficou de receber rúcula ontem e nada até a hora de fecharmos. A rúcula sumiu do mercado. Descobriu que tudo tinha sido comprado pelo Bigode. Meu pai ligou pra ele. O português pediu o dobro. Discutiram. Foi até a chácara dele e conseguiu míseros 5% de desconto. Discutiram de novo. Meu pai deixou de atender um pedido da costelaria...Descobriu agora pouco que o Bigode vendeu para eles pelo triplo do preço. Meu pai foi pra lá...
Saímos de lá, passamos por todas as bancas e, já na saída, encontramos o Valdir, fulo da vida.
-Ô Valdir, conseguiu comprar a rúcula? Não, não tem jeito. O bigode surtou.
-Por que?
-No final da discussão ele admitiu. O que Valdir?
-Construirei meu império especulando com o preço da rúcula, me disse, rindo.
-E você respondeu o que?
-Construirei meu império especulando com o preço do tomate cereja, disse para ele. E ri escandaolsamente.
Já era, sem rúcula e tomate cereja pra acompanhar minha costela.
Demos risada e fomos embora já com a porta cerrando nas nossas canelas. Pai? Oi filha. O que é especular? Abaixo o vidro do carro para manobrar e ouço, alto, "Vou de táxi", cê sabe...uma quarentona cantando e dançando... Filha, vou te contar como era a vida antes do Uber...
* este texto foi feito para um concurso da Piau, a revista, mas, por razões que ignoro, jamais mandei. Ou mandei? Nem lembro mais. Duas expressões deveriam constar no texto.



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