Na estrada. Acabo de deixar minhas filhas na Escola. A mais velha foi estudando porcentagem e juros. A mais nova perguntando sobre o final de semana. Pela primeira vez escrevo praticamente uma crônica inteira enquanto dirijo. Rigorosamente não a escrevo; a memorizo praticamente como tal. Depois, agora, só me resta o registro.
Quantas sensações e memórias se dissipam num dia qualquer e sem rastros se instalam prontamente no próximo? A música acima toca repetidas vezes, numa mania psicótica que nem lembro mesmo quando se desenvolveu. Eu sinto vivo o amor pela vida; por esta mesma que insiste imperfeita e teimosa. Eu sinto plena a luz da manhã; o verde-estrada que irresponsavelmente me sugere eterno o que sempre soube efêmero.
Lembro de ter escrito algumas poesias e, através delas, ter deixado a vontade prevalecer sobre a razão. Arrepiam-me os dias em que a gravata quis ser mais do que o pescoço. O amor-construído que me ilumina, e que não nasceu comigo, chamo de "ser pai". Um amor verdadeiro que jamais deveria falhar. Veja, não disse que o pai jamais deveria falhar, mas que seu amor jamais poderia titubear. Enquanto essa lenta e periférica queima de emoções de um nada-mais-do-que-um-dia-normal vai se formando, me voltam as cenas de "Joker."
A cena dele descendo as escadas dançando após enfiar a tesoura no olho de seu ex-companheiro de trabalho e no mesmo dia que irá explodir as têmporas do Larry; filha da puta esse Larry.
Não viu ainda?
Não está indo ao cinema?
Desconfie de quem não vê filmes meu amigo, minha amiga, se fiam demais na realidade posta. Voltei ao cinema para rever o filme, na verdade para ver a cena da escada; uma cena que simboliza a explosão, um barril mesmo de pólvora formada de ódio e de insignificância que - quando extrapolado pela dança e pela fantasia - se mostram hábeis a chamar atenção; de si mesmo na tentativa de se convencer de sua existência e, depois, da sociedade.
Da primeira vez que assisti ao filme fui tomado pela construção do personagem. Somos uma sociedade perfeita para gerar malucos. Da segunda vez, chamou-me a atenção a "luta de classes", os pobres versus os ricos. Em tempos de crise, de escassez, na desesperança, os líderes sempre surgirão salvadores.
Arthur Fleck nem queria uma revolução social.
Queria mesmo é ter certeza de sua existência; ainda que completamente insana. Queria era mesmo um abraço do apresentador que lhe expôs ao ridículo.
Não estava preparado para frustrações, já aquela altura achava que nada mais faria sentido senão o sangue, a tragicomédia e o caos. O que nos provoca no filme não é a violência, mas a sensação de que ela pode ser praticada com alegria, com satisfação. Vivemos num estado de caos, num estado de violência constante, das mortes dos becos às guerras todas; a morte associada à tristeza parece nos aliviar.
Matar e rir nos assusta.
Poucos riem no cinema na cena em que ele ameaça pegar o anão. É prova de que o ser humano é a sua maior contradição. Hoje ainda mais amamos verdadeiramente do que matamos.
True love will never fade.True love will never fade.
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