Os traidores são chamados de ratos porque agem à espreita, à noite, soturnamente pelas suas costas deitadas temporariamente pela vida. Estamos cercados de ratazanas e camundongos. No trabalho, na casa dos familiares e dos amigos. Nas ruas então nem se fala, estão em todos os lugares, nos esgotos que ligam as casas, plenários, salões, restaurantes e bares.
Circulam igualmente pelos subterrâneos das empresas, das agremiações secretas e das câmaras de comércio e legislativas. Você não os vê. Você somente sente o seu cheiro se a sua convivência com ele aumentar, a caminho de roer os queijos deixam uma trilha opaca e um cheiro forte ácido no ar.
Eles estão sempre a sua volta. Eu tive contatos com ratos na adolescência, me vi obrigado muitas vezes a ignorá-los e a montar ratoeiras para pegá-los. É fundamental para pegar ratos que saibamos que eles não podem desconfiar que estamos atrás deles; ou minimamente atento com eles.
O rato, como age na espreita, quando rasteja pelas migalhas sujas largadas no chão, imagina que sempre está passando despercebido. Por isso, como aliás já dizia Raulzito, se você quiser entrar num buraco de rato, de rato você tem que transar. Toda vez que eu me deparo com um rato eu lembro de A Peste de Camus; primeiro ela mata os ratos. Depois as pessoas.
A Peste é uma metáfora à ocupação nazista e aos horrores da Segunda Guerra. Li A Peste num mês julho em que fui passar com o meu pai quando ainda cursava a faculdade de Direito. Passei duas semanas acompanhando o seu trabalho no Fórum; os processos era físicos o prédio bem antigo, depois foi inteditado. Não lembro se ratos roíam os processos de papel.
Circulam sobretudo à noite quando as escadarias, os bustos e as migalhas acumuladas silenciam de passos estridentes de sapatos. Os ratos são mais numerosos do que os homens, mas homens-ratos são ainda a pior espécie de cruzamento de que já se teve notícia.
Porque se apresentam como homens mas vivem como ratos. Nas ruas, escritórios e nas câmaras que circulam. Pelas igrejas também. Há uma infinidade deles que se acreditam criaturas enviadas de Deus. Oram. Rezam. Conhecem a bíblia. Transformam-se em ratos aparentemente inofensivos roendo pelas suas costas e laterais enquanto você passa despercebido pela sua frente.
Pela multidão eufórica o rato pode passar despercebido; farejá-los é vital para a nossa sobrevivência.
"Porque ele sabia o que essa multidão eufórica ignorava e se pode ler nos livros: o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e na roupa, espera pacientemente nos quartos, nos porões, nos baús, nos lenços e na papelada. E sabia, também, que viria talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz.",
trecho final de A peste, de Camus.
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