O dia de trabalho vai se acabando nessa quinta-feira. Por várias vezes a imagem de uma meia de cada cor não me saiu da cabeça. Eu uso meias pretas no mais das vezes. Não me lembro de ter usado uma de cada cor em minha vida. Pois bem, a baixola, minha filha, dos seus baixos nove anos usou hoje pela primeira vez. Sim, uma meia de cada cor. E assim foi para a Escola.
Tenho ciência da gravidade. É preciso muita segurança e serenidade para um pai divorciado admitir isso em suas crônicas. Lógico que a mãe ficará sabendo que isso aconteceu. Antes de me lançarem pedrinhas e pedregulhos, ouçam-me. Já ia escrever uma palavra de baixo calão. Se quando os pais são casados o caos por vezes se instala sem avisar, imaginem a miríade de situações em que os pais divorciados passam no dia a dia com seus filhos. Uma filha estava nos avós e a outra na Escola, noutra cidade, mas tão pertinho que parece até uma avenida beira-mar. Só que em vez de água é canavial.
E me vem "Mar e o Canavial" de João Cabral de Melo Neto. Duvido que ele, circunspecto, tenha usado uma meia de cada cor nalguma vez em sua vida. E vai sacola pro pai. E volta mochila da mãe. E vai lanche. E volta lancheira. E não vem a calça preferida. E volta com a camiseta manchada. Nem sempre vem as roupas bonitas. É roupa para bater ou para sair?
É preciso serenidade e colaboração.
De todos.
Dos pais e das filhas.
Certa feita, quando ainda estávamos todos aprendendo a como lidar com essa nova realidade, a baixola bateu o pé que queria uma determinada roupa para ir ao Circo, mas foi o cerco que se fechou. Discutimos e nos magoamos. Contou-me depois que foi um de seus traumas em nosso relacionamento. Conversamos depois daquela que foi considerada a nossa última briga; a bronca homérica.
Eu precisava ser mais paciente.
Ela precisava ser menos exigente.
Aos poucos fomos entendendo que nem tudo é tão grave assim. Buscando soluções e aprimorando o sistema. Por vezes foi necessário voltar. Algumas outras foi essencial deixar claro que cada uma é responsável pelas suas coisas. Sua vida, tua mochila. Suas tarefas, tuas obrigações. Lógico que o double check tornou-se obrigatório. E quando você pensa que está tudo certo, algo acontece. Simplesmente as meias delas tinham sumido de casa. Eu sempre achei que tinha um gnomo larápio de meias em casa. Comprovado.
Eu até tentei procurar o achados e perdidos de meias errantes mas não havia tempo.
- Pai, só tem uma meia no armário.
- Tudo bem, eu ligo para a tua mãe e ela inclui uma outra na mochila do João. E no final de semana vamos aumentar o estoque de roupas aqui de casa.
- Não pai, eu vou pegar uma meia tua (preta) e mais essa colorida (dela).
Abaixou ambas na altura do tênis e logo me emenda - pai nem precisa pedir para a mamãe...
Como assim? Errei a dose? Pensei logo em proibir mas instantaneamente mudei de idéia... filha qualquer coisa vá logo dizendo que está na moda! O que os pais sim aprendem com os filhos. O que os filhos sim aprendem com os pais.
Nem sempre a vida é um par lindo de meias laranjas; né filha?!
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