-Filha, fale o nome da crônica, do título, para eu escrever!
-Como assim? O título, já fica mais fácil para eu começar.
Estávamos chegando na cachoeira do Saltão quando lhe fiz essa pergunta. Ela respondeu. Eu nem perguntei o porquê. Nem é assim tão difícil a trilha. São uns 400 degraus e se chega aos 70 metros de queda d´água. A tentação de um script comum seria eu lembrar de algum perrengue aqui enquanto acampamos. Ou de outras temporadas. Nada me ocorre.
Na verdade, não tem perrengue nenhum.
Ao contrário, vem aumentando a demanda por camping selvagem entre nós. Quem sabe um dia. Por aqui tudo muito tranquilo, a churrasqueira já está braseando e daqui um pouco uma gelada. Algum tempo depois, num novo intervalo eu volto pra escrever. Minutos antes dançávamos bela ciao numa roda típica de uma cena não pensada e feita para se jamais esquecer. Antes ainda de dançarmos, explicava a elas a idéia da “regra três”. Não pai, obrigado, não queremos ouvir a música.
Conversamos à toa. Peço-lhes uma história criativa.
Começo a ouvir o início de uma longa trama.... peço um intervalo e jogo a continuidade da história para a hora da fogueira. Dentre nós, há sempre quem sabe contar uma boa história. Quem cria, recria, reinventa fatos e passagens. Tive a impressão de estar na origem do teatro, onde histórias, pessoas e taverna eram uma coisa só. E quantas ouvimos sem bem saber a realidade do que aconteceu; o que é imaginação ou mesmo o que é só um colorido para deixá-la mais pitoresca.
Aqui mesmo, no Saltão, lógico que Cachoeira tem esse nome porque ela desaba 70 metros, ouvi que há uns cinquenta anos ninguém visitava a cachoeira porque toda vez que alguém aparecia uma pedra se soltava no lado direito dela, de quem olha. Bastava chegar no paredão e olhar para ela e poucos minutos depois algumas pedras se lançavam sobre os visitantes.
Um dia um caboclo chegou à noite e, à espreita, se encobriu de verde, e passou a observar a cachoeira imóvel. E, com uma pequena estrutura de sobrevivência, passou ali alguns meses a observar a cachoeira. Água rolava, água caía, ninguém aparecia e nenhuma pedra se lançava no abismo. Logo prestes a deixar o local e seguir seu rumo ele avistou um casal chegando perto da cachoeira. Sedentos e exaustos pela trilha bruta, mergulharam no lago.
Beberam água, tomaram sol e fizeram amor. No último mergulho para molhar a roupa uma pedreira rolou certeira sobre os dois. Pedregulhos menores logo em seguida caíram como se o paredão chorasse, como se a encosta bruta quisesse falar. Ele, atônito com o que viu, embalou suas coisas e foi embora. Foi a última pedra que saltou pelo desfiladeiro. São histórias.
A foto acima, do guardião do Saltão, dizem que já é a mesma há muito tempo. A gente nem sempre sabe o que é vida ou teatro.
Nunca gostei mesmo da vida como ela é.
Comentários