-Marcelinho, você sabe onde eu arrumo leite cru?
-Vai ter que pegar no Sítio!
-Tudo bem, eu vou. A estas alturas de cronista já percebi que a rotina é minha inimiga. É o diferente que faz a crônica brotar. O tédio é o pior inimigo do escritor. Voltando, só ele poderia me arrumar rapidamente algum sitiante com leite cru para fazer iogurte e coalhada seca com devida proporção de gordura. Adora uma roça. No final do dia veio o telefone do sitiante. Liguei. Peguei as referências e fui lá. Depois que termina a estrada de asfalto, terceira à esquerda. Lógico que eu passei a entrada. Parei, perguntei e voltei. Lógico que eu passei de novo. Voltei e acertei. Aí pego areião e quase a brincadeira vira um tombo.
Lembrei de quando atolei na Serra da Canastra. Cortei pela lateral e cheguei. E levei junto meu stress. Que insuportável. Bati palma e nada em dois segundos. Bati de novo e nada. Campainha não tinha. Olhei as vaquinhas, o trator e os cachorros indo e vindo. Quando eu começo a bater pela terceira vez eu ouço um repreensivo já vaaaaai.
Pedi desculpas, achei que não tivesse ninguém e logo brinquei: esse pessoal da cidade vem perturbar a paz de vocês, não? Logo tava proseando com o casal de sitiantes. Comi torresmos, trocamos receitas e quando vi já estava lá há quase uma hora. Já recebo ovos frescos em casa. Agora consegui o leite. Na volta me dei conta do pouco de produtos locais que consumimos. Quando viajamos pela Europa valorizamos bastante os produtos locais, o queijo, a cerveja, o vinho e o pão. Me dei conta que quase a totalidade do que consumo em casa vem do supermercado e de locais distantes. O leite de caixinha, o queijo da Serra e o presunto cozido com sabe-se lá o quê.
Cultuar o local, o campo, talvez seja uma grande missão para o nosso País, cuja densidade demográfica é cruel, lançando nos grandes centros uma população miserável e em péssimas condições. Valorizar as pequenas cidades, os pequenos produtores, fazer com que a população consuma produtos locais em boas proporções. Quando estive na Itália a maioria dos produtos que consumia, especialmente salames e manteigas, vinham dali de perto. Eu fazia questão de olhar no mapa. Quando fui a Ithaca, NY, as cervejarias estavam num raio de 50 quilômetros. Quando vou ao mercado, quase tudo que vejo, que compro, é global e não local.
No meio da conversa ouvi do sitiante: temos de tudo aqui, menos dinheiro. Sim, devem se virar bem mas não deveria ser essa a percepção. Dizem que bacon é vida. Não concordo. Manteiga é vida. De tanto que eu gosto, assim como azeite, quase não duram em casa. E eu reclamo do preço. Tenho os preços na cabeça e já como papéis na bolsa eu compro só na baixa. É preciso muito leite. Agora reclamo do preço do creme de leite caseiro. Sim, com o preço do azeite terei que me conformar.
Que vontade de importar um contêiner de azeite e dividir com os amigos...alguém se habilita? Exagero? Toma banho de azeite e faça uma crônica.
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