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foi ontem ou anteontem

  • Foto do escritor: Carlos Camacho
    Carlos Camacho
  • 14 de jun. de 2019
  • 2 min de leitura

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Passo pelo corredor na ida.


Volto pelo corredor na volta.


É um corredor. É um passador.


É como tantos estreitos que passamos pela vida. É mais uma ida pelas tantas que vou ao caminho do banheiro. É como tantas voltas que voltamos sem entender muito o porque. É um caminho necessário. Tudo que nos é necessário pela rotina nos é entendiante pela justificativa de ter que passar por ali. E era mesmo um corredor. E era mesmo um dia comum. Na volta passei pelo retrato do meu irmão com a tatuagem do carimbo do meu pai no braço.


Logo lembrei de um amigo nosso que perdeu o irmão num acidente de carro.


Ele voltou tempos depois para a casa dele intocada, meses depois, e viu o tênis jogado ao lado da cama. A breja ainda gelando. Um fumo solto sobre o cinzeiro. Deitou-se como se seu irmão fosse. Bebeu aos goles como se visse ali na sua frente bebendo o seu irmão. Ligou o som. Respirou. Bebeu. Rememorou. E eu que voltava pelo corredor estreito das lembranças nem queria lembrar que o carimbo do meu irmão vinha com o óbito de meu pai.


Eu nem queria lembrar que o amigo do meu irmão tivesse perdido o seu irmão num cruzamento irresponsável do destino.


Eu nem queria lembrar de nada, nem queria lembrar que a vida vez por hora nos apresenta a morte; nos apresenta um espaço de susto.


Eu só voltava da ida. E voltava para a mesa com os potes que ganhei do meu irmão, que ganhara do meu pai. Esse corredor eu passei na quarta. E na quinta me inquietava a passagem. E na sexta me incomodava essa sensação de que o dia pudesse te transformar em memória, em tatuagem. E nada mais lembrei enquanto os dias de trabalho se passavam. Enquanto eu tramitava pela burocracia e tirava o meu passaporte italiano. Tenho vários surtos que me impulsionam a viver uns tempos na Itália, uns impulsos de espaço no nosso cotidiano.


Quando então me posto na sexta-feira noturna, quando os respiros se acalmam, as plantas se ventam e eu me lembro dos carimbos indeléveis, se vem a crônica para que seja postada. Fui cobrado. O Edson, o amigo-irmão do Gulino, que é meu amigo-irmão de criação, foi morar em Portugal. E lá está com a família. E ontem me mandou uma mensagem com essas que vem com copo de chopp. E eu logo tenho vontade de usar meu passaporte novo. Deixo no ar na certeza que um dia o brinde será ao Douro, ao Tejo, deixo escrito que não passará um ano e lá estaremos bebendo.


Esqueço mesmo, de propósito, que há um corredor que nos carimba o destino. Eu nem queria passar pelo corredor das memórias. Eu nem queria passar pelo corredor que nos atravessa o presente para nos lembrar que ontem foi um dos melhores dias de minha vida; eu tive que atravessar o passado para me dar conta de que os corredores estreitos, todos eles, tem portinholas secretas...e são estas que nos transformam em foguetes; ninguém vive sem passar pelo corredor.

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