Sabe, é preciso ginga para ser escritor. É preciso jogo de cintura. Esses dias a Dani me perguntou numa quinta se eu não estava preocupado para escrever a crônica que seria postada no sábado. Respondi que a crônica seria escrita. A ideia viria. O texto sairia. Eu meio que aprendi que essa convicção me bastaria.
Eu gostaria que o Brasil tivesse a mesma convicção de que seus filhos não mais morreriam pela negligência nas barragens, nos contêineres e redutos que serão explotados na próxima tragédia. Se minha crônica pudesse ser substituída pela esperança...Se cada sábado de texto pudesse pular a tragédia para a próxima. Não posso. Não sou ninguém. Não podemos. Esse assunto nem é o tema.
Nem sei bem qual é o tema.
É só um pensamento.
Cheguei da estrada duma semana puxada e encontrei dois amigos no Guia (pronuncie o "u"). É um boteco na Boa Vista, em Limeira, Brasil, América Latina. Depois de vermos pelo zap fotos antigas de inúmeros bares de Limeira, coisa de vinte anos, passamos a discutir sobre o público desses botecos; locais que tradicional e historicamente foram frequentados pelos homens. Há uma cultura de boteco em Limeira, esse roots com calçada na frente, caixas atrás e um público que se conhece como família.
Quem chega cumprimenta todo mundo.
Durante um tempo o dono do bar se dedicou a aproximar a turma que queria conversar e distanciou os que queriam só tumultuar. Reina a paz para que você tome sua gelada e converse sobre as desgraças brasileiras. Durante muito tempo pensei que essa mania da cidade, de inúmeros botecos pelas esquinas espraiadas, impedisse que novos negócios fossem apreciados e frequentados. Mas não. Essas fotos antigas dos bares mostram o lazer duma Limeira forjada entre tornos, ouros e laranjas.
Percebi enfim que todos se espalham pelas esquinas para que fossemos à pé. Eu quando me saquei nessa conversa fui logo tirando foto do Guia (pronuncie o "u"). O Fusca me mostrou a plaqueta de 1950. Ali naquele Boteco muitos jogos do Flamengo foram vistos, muitos viram na TV a redemocratização, o povo cantando Milton Nascimento com a multidão no Incor, os ladrões depostos do Poder pelos alibabás de sempre e tanta lama até chegar a Brumadinho.
Viram o Brasil raspando na trave.
Enquanto todos esses anos vão passando nós vemos o Brasil vivendo num presente dolorido que se anestesia pelos Botecos, pelo molejo do Guia (pronuncie o "u") que toca a vida na esquina desde 1950; sem jamais desonrá-la. Eu ando cansado de tanto descaso que temos pelos nossos brasileiros. Violência de guerra chamada de taxa de criminalidade. No auge da minha raiva eu amaldiçoou tanta acomodação. Descanso em seguida para desgastar a teimosia do otimismo até que se transforme numa azia para avisar que estamos de ressaca.
Eu li na placa guia em vez de Guia (pronuncie o "u"). Precisamos pegar a guia do Brasil, a linha, aplacar a gula dos famintos e respirar preto e branco no presente. Ou enxergamos o nosso presente como ele é, preto e branco, ou o colorido de nossa bandeira será sempre sépia.
Mais uma Guia por favor. Pronuncie o "u", c...!
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