Na ducha no final do dia eu pensava no assunto da crônica. Nada além de água sobre a cabeça. É difícil criar estressado, depois de um dia de prazos, de problemas, de trabalho. Não há trabalho sem stress. Se não houver stress é diversão; não trabalho. Nunca vi problema no stress; o que te complica é quando ele se torna insano; sem pausas.
Quando ele te pega na trepada; no filme; no sábado com a família. E não larga mais. Na verdade o que te fode é o orgulho que você tem de dizer que está estressado. Mas esse não é o assunto da crônica. Eu não pensei isso enquanto tomava ducha. E sem idéias sob a água abençoada pensei em nada além de água; e água por água lembrei daquelas de Santo Antonio de Lisboa, dos veleiros com balanço que prenunciavam a tempestade que pegamos no nosso último dia de férias, lá onde as ostras não são para magnatas e as brisas são mesmo lisboetas.
Eu nunca estive em Lisboa. Nunca ainda. Mas quem foi garante que lembra. O santo é o Antônio; tornou-se de Lisboa porque ficou conhecido em Lisboa, onde estudou. Na verdade, o Santo Antonio tomou o nome de Nossa Senhora das Necessidades que, embora nome oficial da Vila por muito tempo, extraoficialmente era conhecido por Santo Antonio de Lisboa. Quando a tempestade caiu comemos rapidamente a última ostra e corremos para a Igreja das Necessidades. É mesmo nas tempestades que oramos.
A vila se esvaziou rapidamente e nós fizemos questão de ficar praticamente sós; além das ostras. O nervo da ostra é como nossa cabeça. Se você o corta, e você só precisa saber o local dele, ela se abre maravilhosamente. Sem stress. Abrir ostras é tão legal como saboreá-las. Você olha pra ela hermética, fechada. Saca o local provável do nervo e quiz! Abri-las é comprovadamente tão eficaz para o cérebro quanto jogar xadrez.
Sou capaz de passar horas abrindo ostras. Não comendo; não é à toa que vem doze. Mais do que isso você provavelmente precise orar para Nossa Senhor das Necessidades. Que vontade de encher esse barco azul aí de cima de ostra e empurrar para o mar...por aí. Na volta para o Aeroporto me perguntei por que não fomos de barco...porque estamos no Brasil. Pergunto ao motorista se já houve projeto para que o transporte fosse mais marítimo do que terrestre. Não vejo muito sentido em pegar carro se podemos ir de barco.
Morador da ilha há mais de vinte anos me garante que não há nenhum problema de natureza geográfica ou nenhum outro impedimento além das ostras; não as de cativeiro. As ostras políticas que nos governam em cativeiro. Me sinto uma ostra com a cabeça arrancada pela ineficiência. Como pode uma ilha daquela ter engarrafamento ?! Imagino o dia em que embarcaremos dali de Santo Antonio de Lisboa direto para o Aeroporto; ainda que o bote se chame SeaUber.
Já sei, das centenas de vida que terei ainda, uma delas voltarei ostra para Santo Antonio de Lisboa; mas não de cativeiro. Na pedra mesmo. Se quiserem cortar meu nervo? Oro a Nossa Senhora das Necessidades para que seja com limão.
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