Hesitei. E, vacilante, escrevo.
Hoje não me é possível escrever firme e resoluto. Quando decidi escrever crônicas fechei comigo que não queria falar mal de ninguém, que não seria instrumento de ódio ou críticas desnecessárias. O lado bom da vida. Mais da vida do que da morte. Mais o bem do que do mal. Reflexões cotidianas enquanto eu vivia. Mas nesta vida em que vivemos também vive a morte; as tragédias: quando algo inesperado e súbito inverte o caminho natural da vida.
Como a morte de um filho antes da mãe.
Como a morte de um irmão num acidente. Pelo zap eu soube que o irmão de uma amiga falecera em razão de um acidente de carro. Ambos educados pela mãe que incontáveis vezes me recebeu, mais os colegas, para fazer lanches em sua casa pelas tardes da adolescência. Achei o fardo pesado demais para minha amiga; para sua mãe.
Desnecessário.
E o que são nossas opiniões e sentimentos defronte das manobras do Universo? Coloquei-me à disposição para o conforto. Na morte é o amor que conforta. É o abraço forte que nos acalma. A fé que nos direciona. A convicção de que aquele que nos deixou viveu a sua vida. A fé para onde se vai. A cada ombro que se aconchega é um suspiro para um novo dia, até que o tempo distraia a tragédia. Até que a brisa das manhãs rareie as lágrimas.
Chequei em tempo de dar um abraço forte nela. Não estava bom com as palavras. Dois dias depois, assisti Noventa Minutos No Paraíso e o protagonista nos conta das pessoas que ele encontrou, de como estavam todos bem. Deus quis que ele, do filme, declarado morto, voltasse para contar a todos que o Paraíso existe.
Sim, o Paraíso é uma possibilidade dentre tantas.
Gosto de pensar que quando morremos deixamos este que é verdadeiro Paraíso. Tantas as formas possíveis de se viver e tantos sentimentos que passamos pela vida, digamos, terrena, as risadas, as danças, as caridades, os desafios, as amizades, que deve ser aqui o verdadeiro Paraíso...
Sempre queremos que nossos entes queridos não deixem este Paraíso. E choramos a perda. E lamentamos as circunstâncias da tragédia. E questionamos a data...precisávamos de mais um dia, algumas horas ou mesmo alguns minutos.
Hoje eu quebro as minhas convicções céticas para desejar que o irmão de minha amiga vá para o Paraíso que vi no filme, que ele se emocione com a fé de sua mãe, com a galhardia de minha amiga diante deste Paraíso e que, de alguma forma, na sombra das árvores, na música que tocava na casa ou pelo abraço dos amigos, mande uma mensagem de que, embora não fosse bem o que imaginávamos, estou bem, e, assim, tratem de dosar a dor com a minha lembrança nos bons momentos.
Como se o oxigênio daquele Paraíso fosse as energias boas e risadas dos que ainda não se foram. Como se o tempo daquele Paraíso fosse movido por cada momento alegre ao lado dos que amamos. Como se o Paraíso depois da morte fosse espelho deste; só que não qualquer espelho.
Fosse um jogo de espelhos sem fim, fosse uma vida sem fim, e que coubesse a cada qual, pelas suas convicções, ficar ou voltar. Ou até mesmo criar um outro Paraíso, de qualquer cor e com qualquer mobília. E que cada qual pudesse olhar lá de cima para qualquer um aqui embaixo.
E não haveria culpa pelas escolhas. Só não poderia faltar felicidade neste Paraíso terreno. Só não poderia faltar amor neste Paraíso terreno. Só não, definitivamente não, poderia faltar amigos neste mundo terreno. Encerro com a única cena que tenho do irmão de minha amiga. Eu chegava na casa dela e ele saía, meio apressado, meio rindo, com um amigo, com cara de quem iriam se divertir.
Bom, ele oxigenou o Paraíso para uma galera. Agora é a nossa vez.
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