Antes que eu me esqueça; Zurique, Zürich, Zurigo.
- Carlos Camacho

- 23 de jun. de 2018
- 3 min de leitura

"Descobri que sei falar alemão depois de três Hendrick´s; doses não músicas. Foi o Kebab mais apimentado da minha vida. No dia seguinte, digamos, logo pela manhã, percebi que devo aprimorá-lo um pouco mais, especialmente o vocabulário sobre condimentos."
- Zurique tem previsão de pólen. - Que doido! Pra que serve? Pra nada, pra saber que eu vou me foder ele respondeu. E caímos na gargalhada. Eu e o Libanori. Amigo aparece na vida da gente. É a empatia e não o tempo que forja a amizade. Brasileiro. Gente boa. De berço. Não pelo dinheiro não; pelos valores. Anda raro encontrar quem vive e não banca a vida. Químico pesquisador morando lá há sete anos. Adaptou-se bem, já não fica sem o bom queijo e o bom chocolate. Tomamos umas na Itália e ele vai lá pra Zurique no final de semana?! Fui. Cidadela agradável. As primeiras vinte e quatro horas se prestam para que o brasileiro sinta as gritantes diferenças entre as civilizações. Poupá-los-ei dessa parte comparativa. Revisor caso entenda que esta mesóclise esteja enfadonha, dê-me o ultimato em nota de rodapé por favor. Não se usa mesóclise em crônica, eu sei. Devaneios gramaticais por vezes me atacam como picadas de abelha. Imprevistas. As mesmas que deixam de colher o excesso de pólen em Zurique. Depois do choque cultural numa sexa-feira, fui ao show de Stacey Kent no sábado, uma jazzista tão obcecada pela Bossa Nova que aprendeu Português para cantar as originais. E canta maravilhosamente bem, com sotaque delicado e doce; com mel. O mesmo brasileiro que se choca culturalmente com as precisões suiças se orgulha de ouvir as águas de março com a platéia lotada noutro continente. Ah, se eles soubessem como nos custou caro a Bossa Nova...Eu lhes garanto meus caros que ovacionei como brasileiro. Faltou coragem e não vontade de subir ao palco. Os contidos suiços logo me olharam...simpaticamente...como se aquele fosse o local adequado para extravagâncias latinas. O sábado sem frio se passa à beira do Zürichsee, o lago. Piquenique mesmo, com churrasqueira descartável para as salsichas. Todos falam inglês por lá....e não sei que raios aconteceu no Kebab que fomos comer de madrugada que eu falei alemão. Descobri que sei falar alemão depois de três Hendrick´s; doses não músicas. Foi o Kebab mais apimentado da minha vida. No dia seguinte, digamos, logo pela manhã, percebi que devo aprimorá-lo um pouco mais, especialmente o vocabulário sobre condimentos. Foi à beira do lago que tirei a foto acima, escrevia à mão uma carta, pensamentos ou seu primeiro conto. Uma carta de amor cursiva em tempos digitais. Uma crônica ou a letra de uma música. Eu não sei. Eu jamais saberei. Eu nunca ouvirei a música que ela ouvia. O que seus escritos diziam ou a marca de sua sandália. Sei o que diz a foto. Eu tão longe de casa e tão perto da vida. Sei que o sábado brisou ensolarado e descalço pelas suas letras. Que ela estava de preto e desapareceu num único momento de distração. Talvez seja como a Morte apareça aos sábados em Zurique. Linda. Talvez um alerta para que contemplemos a beleza do cotidiano. Os mistérios profundos de um brasileiro num périplo na Suiça. Antes que eu me esqueça, desejo profundamente que ela, a Morte, quando chegada a longeva hora, venha como ela, a moça, linda, leve e ao som da Bossa Nova para um périplo ao desconhecido.



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