Milano a Livorno
- Carlos Camacho

- 9 de jun. de 2018
- 4 min de leitura

Estava eu a adentrar ao tema quando me dei conta do entorno. Uma taça de vinho tinto, pão, azeite, robiola e `nduja di spilinga. Não vou falar dos queijos porque é só uma crônica e não um blog de culinária. Robiola eu descobri quando percebi um rapaz entrando com pressa no mercado, com pouco itens na cesta, e foi direto comprar Robiola. Essa determinação pelo item me chamou atenção. Comprei para experimentar. `nduja di splinga tem um nome muito louco.
Veio como tempero do tomate seco que comprei. O google não traduziu e aí fui ver o que era. Alguns dias depois, andando pelo mercado, vejo o item sozinho, só ele. É um final de linguiça apimentado muito comum na Calábria.
Não é a grandeza do Duomo que impressiona.
O que nos estarrece é vê-lo de repente, saindo do metrô.
Como se saíssemos do túnel do tempo regressando centenas de anos. O Brasil estava sendo "colonizado" quando terminaram a Catedral. Muito cheio para entrar, detenho-me nas caricaturas da parte externa. Dali para comer um panzertotti no Luini não são dois minutos. Os pratos típicos de cada região são as pedidas que prefiro, do Caldinho de Sururu em Carneiros, Pernambuco, Brasil, ao "La cotoletta alla milanese" e "Risotto alla milanese" em Milão. Em Brescia o prato típico é o "Casoncelli alla bresciana", com manteiga, parmesão e sálvia.
Em Firenze o Ossobuco alla fiorentina vem derrentendo na boca com um molho pomodoro por cima.
A "Bistecca alla Fiorentina" são 800 gramas de T-Bone mal passado no Mercato Centrale. Eles te mostram a peça e te falam o peso antes de grelhar no carvão. Indo para o litoral, em Livorno, "Cacciucco" é a boa. Quando falei que estava indo para lá, imediatamente me disseram para pedir um "Cacciuco." Não comi. Não era um bom dia para correr risco de ter um ataque alérgico pelo camarão.
Dia frio e chuvoso em Livorno.
Pude ter a minha impressão comparada ao que se ouve antes de vir. Os italianos não chegam a ser grosseiros. São objetivos e falam sem muitos rodeios. Eu falei inglês em casos de vida e morte, mas ao menos no norte jovens e comércio em geral falam o inglês. Sobretudo em restaurantes e lugares turísticos. Alguns entendem o Português e eu cheguei a conversar com um italiano, aposentado, que me pediu para falar exclusivamente em Português. Apaixonou-se por uma brasileira e está pedindo cidadania brasileira. Há italianos que entendem muito bem o português falando devagar. Ou espanhol. Enfim, com algum esforço você consegue sobreviver falando o italiano e se apertar vai pra tecla Sap.
Fui perguntar se tinha bicicleta para alugar e, em italiano, comecei a conversa dizendo que não falo muito bem italiano e ele me disse que não fala nada de Português. E levantou as mãos como num emoji. Agradeci e fui tomar um café. Neste momento faltam menos de quinze horas para começar o giro d`Itália. É preciso passar um tempo aqui para entender o que a bicicleta significa para o italiano. A sua convivência com pedestres e veículos é harmoniosa. Há bicicletas paradas em todos os lugares, sempre com cadeado. Durante o giro os carros dão lugar às bicicletas e por onde passa a galera fica doida.
O Giro deste ano é histórico com a largada de Jerusalém e chegada em Roma. Assistir a uma peça de teatro noutra língua é curioso; um diálogo, um jogo, de confissões ao que supus serem feitos após a morte; ou num estado de inconsciência que a precede. Rosmersholm, il gioco della confessione. O teatro é enorme e pomposo. Nesta peça público e atores estão no palco, no mesmo nível. O cenário são quadros, castiçais e uma mesa enorme, onde, deitados, a peça se inicia. É uma experiência e tanto assisti-la na língua de Dante; a dramaticidade ganha dramaticidade; a prosa nos transporta a tempos medievais.
A compreensão do idioma exige uma atenção extra. Não deve ser fácil conviver uma vida inteira com algo que se pretenda dizer aos pais, aos filhos, a um amigo. A um irmão. A dúvida onipresente convive com a dinâmica que a vida exige. A morte, ou sua proximidade, é sempre um ambiente em que as confissões surgem; a necessidade premente de dizer antes de partida; do recomeço. O sofrimento de quem teve a oportunidade de dizer em vida mas optou pelo silêncio. Drama afinal é o conflito de sentimentos mundanos. Drama afinal é um mergulho profundo na dúvida de ser ou não ser. Morrer ou lutar. Confessar ao leito de morte talvez seja o meio de se livrar dos questionamentos e da culpa pela revelação "tardia". O drama reside no desconhecimento da morte; tudo o que se lança para depois dela provém da crença humana. Hamlet....
"Quem levaria fardos,
Gemendo e suando sob a vida fatigante,
Se o receio de alguma coisa após a morte,
–Essa região desconhecida cujas riachos
Jamais viajante algum atravessou de volta –
Não nos pusesse a voar para outros, não sabidos?"



Comentários