A História encontra a história de cada homem.
Quiseram ambas que estivesse aqui na Itália no dia da Liberazione, feriado nacional em que se comemora a liberação da Itália do regime nazifascista. Um partigiano foi o combatente italiano contra o regime nazifascista; um resistente civil. Depois do almoço saí ouvindo Bella Ciao no fone de ouvido. A música ficou famosa na série La casa de Papel, aliás na melhor cena de todas em que o Prof. e Berlim a cantam juntos. Não tem autoria certa.
È música que sai das florestas, das trincheiras, do sangue e das fogueiras.Tem origem folk. Tem origem no povo. A música para inspirar a luta. Não há luta sem música. Sem hino. A mensagem dela na série é clara. A resistência hoje é contra o sistema posto, o sistema financeiro. Não mais na trincheira. É na nota. Quando chego na praça Della Loggia uma orquestra toca Bella Ciao. Paro. Estarrecido. Assustado. Me emociono.
Teria eu um familiar partigiano.....?
É uma festa pelo sangue escorrido; pela Democracia. Na jardineira olho a flor da resistência. Cada uma é um italiano que morreu pela liberdade. Talvez venham daí as flores espremidas pelas paredes das ruelas; cada vaso é uma lembrança do custo da liberdade. Haverá sempre um maluco, um povo ou uma nação a pretender impor sob a força a sua hegemonia sobre outros; a sua visão de mundo.
Sua natureza gregária impulsiona a dominância....A participação da Itália na segunda guerra foi desastrosa; Mussolini na sua gana de dominar o Mediterrâneo, num ataque de grandiosidade romana, mal foi além da Albânia. Um lunático. Foi preso; resgatado depois pelos alemães no Hotel Imperatore. Entre os presentes sinto cheiro de sangue dos antepassados; a cada nota da orquestra.
Sangue borbulhante das pessoas vivas.
Corre vino rosso em meu sangue. Como se os partigianos não tivessem morrido em vão. Do discurso do palanque ouço...que a Democracia se constrói todos os dias e todo dia precisamos lembrar dos que morreram por ela. Eu morreria de consciência tranquila na batalha para deixar um país melhor para minhas filhas. Um país que não sofre não se ama.
Assim vejo o Brasil. Uma democracia egoísta. Incipiente. Um povo que não se ama; amam-se a si mesmos os brasileiros; mas nunca se amaram entre si. Não aprendemos a amar-nos uns aos outros o suficiente. A ponto de derramar sangue pelo vizinho. Pela próxima geração. A luta que se trava é a luta pela sobrevivência financeira; própria e dos familiares. É o país do salve-se quem puder.
É difícil aprender italiano. Nem pelos verbos nem pelo vocabulário. É pelo maldito plural. Uma frase como meus amigos estão bebendo no bar transforma-se em I miei amici stanno bevendo al bar . Não há "s". Mas há plural sem "s" além de nossas fronteiras. Com alguma insistência de minha parte, em quase dez dias eu consigo as comunicações básicas em Italiano. È preciso um Spritz ou prosseco no final do dia para relaxar a tensão de aprender um novo idioma; com Campari.
Deixo a crônica virar o dia.
Aqui em Brescia, donde escrevo, o chamam de Pirlo e não de Spritz. Elda Pirleria é a melhor até agora, Via Delle Battaglie. Sim, acredite. Na rua da batalha. Na mesma rua onde assisti ontem a Panne e Partigiane, um documentário de Marino Marini sobre a resistência; sobre o papel da sociedade que alimentava os combatentes. Os pães que levavam para a montanha feitos pelas Donnas italianas. Assim como a resistência francesa, a resistência italiana não foi obra só dos combatentes, se deu pelo envolvimento das mulheres cujos maridos foram para a linha de frente.
Na França a participação feminina se deu muito pelas espiãs, pelas informações, aqui na Itália pelo pão. Cada um resiste como pode, pão ou informação; foi preciso resistir à barbárie. Num dos inúmeros depoimentos do filme, uma das partigiane diz claramente que a resistência lhe trouxe consciência, lhe trouxe cidadania, de senso de responsabilidade pelos seu país, amor pelo seu país...cada alqueire de terra foi disputado a sangue.
Ao final do filme, vinho, salame, queijo e...pão! O documentário é bom, vale assistir. Como produção artística, peca pela monotonia. Pouca trilha sonora. Precisa querer assistir, gostar do tema. O cinema se chama Novo Éden.
Sair do Éden e encontrar Elda é um programa que não se pode deixar de fazer em Brescia.
Ouça Bella Ciao quando estiver indo e veja se lhe penetram sangue e pão no caminho. A brisa da resistência ainda sopra por ali...Caso lhe demore a bater essa sensação olhe para as jardineiras das janelas, para as flores da liberdade.
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