No meio do churrasco com o pessoal da faculdade, ou no fim? Não lembro exatamente. Já a tantas íamos tomando nosso refresco artesanal vindo da Fifties Beer (leia o manifesto deles) e mencionaram o recente cinquenta tons de liberdade. E pronto, a polêmica não cessa mais.
Discussão tavernética. Ébria e sem fim que se dá em tavernas ou equivalentes.
- Ele tem atitude. - Com aquele dinheiro conquista qualquer mulher do mundo. - Gostoso. - Tesudo.
Vale a discussão porque não se pretende mesmo qualquer consenso. Tinha visto já. Sala cheia, uma esmagadora maioria de mulheres, oitenta por cento talvez. Na cena em que se chupam com sorvete ouvem-se os uis e ais. E numas duas vezes mais. Logo me chama atenção a quantidade de mulheres naquele cinema, por que raios são freneticamente maioria? Há um desejo sádico latente nas mulheres e não atendido pelos homens; trepadas casuais, namoros ou casamentos? Faltam chicotes aos homens? Paulatinamente elas permitem avançar nas libertinagens sexuais que ao final retratam uma vertente de seu direito de expressão, historicamente silenciados? São maioria porque já vão com as amigas sem receio ver as sessões no quarto vermelho.
Vai se reduzindo a distância histórica entre as safadezas do puteiro e as rotineiras do casal.
Não fosse novidade as mulheres não seriam maioria. Não houvesse um interesse, uma curiosidade que se avizinha elas não seriam maioria. É o caminhar dos costumes; a conquista dos prazeres. Enquanto escrevo esta vejo Women at War. "A guerra não foi só coisa de homem", é a primeira frase do filme francês que conta a história da resistência feminista francesa na segunda guerra. O Sorriso de Monalisa e As sufragistas são outros bons filmes que dão uma ótima idéia do que passaram; observar as mulheres é contar as sucessivas batalhas que tiveram ao longo do tempo para votar, para tomar contraceptivos, para trabalhar e para libertinagens sem que lhes rotulem de perversas imprestáveis.
O direito ao prazer teve que ser conquistado.
A arte de amar, uma obra prima polonesa baseada na vida de Michalina Anna Wisłocka é um filme indispensável para que se compreenda a luta pelo orgasmo feminino, pela gozada fantástica! É demais, ou seria melhor dizer, é praticamente um orgasmo cinéfilo!! Narra a jornada da autora do livro para publicá-lo durante a segunda guerra na Polônia comunista, onde as mulheres não sabiam que transar engravidava, não conheciam camisinha e seu papel era dar e sem sentir prazer.
Ensina as mulheres onde fica o clitóris e a se masturbarem.
Prazer ensinado nos consultórios médicos. Atende até homens cujas esposas são virgens após dois anos de casados. Numa das cenas, com a paciente tensa, sem relaxar, colocam jazz e falam para ela improvisar.
Não sinto nada doutora. Gosta do Red guitars? Prefiro Jazz. Ótimo.
Muito bem. O amor é isto querida. É improvisação. Relaxe, vou deixá-la no clima. Se toque lá embaixo com delicadeza. Escute a música. Está ouvindo o sax? Imagine que seus dedos são o saxofone. Imagine que seus dedos tocam o saxofone; a torrente vem pela fantasia, pelo ambiente, pela entrega criativa dos corpos ao som do Jazz ou do Samba. Os dedos tocando sax ou pandeiro. Não importa se ao final todas as notas se convergem no universal som do gemido; no mais profundo grito de liberdade.
A única experiência interessante que tive ao ver cinquenta tons de liberdade no cinema foi exatamente constatar a absoluta maioria de mulheres; que me rendeu uma crônica. Em vez de gastar dinheiro no cinema, faça pipocas originais e assista A Arte de Amar em casa. Imperdível. 50 tons de liberdade é um lixo. Não se decide. Nem vai fundo nas sessões de sado, nem mergulha na vingança do ex-empregado e não se joga no casamento dos pombinhos.
Um lixo.
Três tramas secundárias e nenhuma principal; nós não sabemos em qual delas nos envolver, nos entregar. Prova disso é a cena em que Christian Grey abre a gaveta do quarto vermelho e tendo à disposição cinco plugues anais, escolhe justamente o mais comum deles.
Errou feio o Diretor.
Em vez de pegar o plugue exótico e lançar o filme para o diferente jogou-o num lugar comum qualquer. Quem foi para ver as sessões de sado se frustrou. Queriam mais uis e ais. Quem quis ver intensamente a vida bilionária dos pombinhos se frustrou também. Caiu no vazio, deixou que o cotidiano e ordinário entrasse no quarto vermelho onde nada deve ser convencional. Talvez o mérito do filme seja quebrar o tabu de que o sexo não precisa ser sempre papai e mamãe, ou de promover ao menos o diálogo sobre o que vai, o que não vai, o que rola bem e o que não rola de jeito nenhum.
Levou mais mulheres ao cinema do que homens.
Não há liberdades conquistadas sem que cinzas sejam espalhadas pelo caminho. Antes que eu me esqueça, que a reflexão e a luta sobre os direitos das mulheres não cessem jamais mas, na jornada, que se mantenham mulheres.
Comentários