Enquanto passam o café o eu meu sono escrevo direto e sem muitas revisões. Tenho poucos minutos para registro do que foi o show dele ontem no Citybank Hall, São Paulo. Antes do próximo compromisso. Assim vai solta e como crônica improvisada. Como um show ao vivo que não se volta, onde tenho o set list e as idéias centrais.
Lotado.
Olho o palco antes de começar o show; tomo um copo de cerveja Budweiser, a única que oferecem ao lado de Skol. Não gosto de nenhuma delas. Não sei quando entenderão que show bom tem que ter cerveja artesanal. No copo de plástico para uma platéia tranquila e média acima dos 30, muito mais velha do que o LollaPalooza. O palco tem uma fogueira e ao longe donde fiquei me pareceu um terreiro pelas feitiçarias...
Vê-se uma merluza de pinos de boliche. Eddie é um mago, um mágico no palco, um artista de verdade; não faz o show para tocar músicas. Quer envolver. Conversa com a platéia, é carismático, agradece e dedica músicas em português. Se entrega e se esforça para um bom show. Isso o torna diferente. Eu amo pessoas, diz. Obrigado pela platéia maravilhosa. Chama o irlandês Glen Hansard para tocar no palco e pergunta se está tendo uma boa noite. Faz piadas em português e em inglês.
Brinca com um fã que pede música com voz grave, dizendo-lhe que poderia cantar ópera e se mais alguém canta assim. Admite que não sabe que música vai tocar, titubeia na hora de escolher as guitarras, o violão. Vai lendo os recados em português e os joga no chão rasgados.
Erra a letra, admite que faz tempo que não toca a música, não se lança como uma estrela, é um artista, um humano como você. Autografou o pandeiro de uma menina no palco, tirou foto para o Insta dela. "Pagou" um brinde de vinho a outro fã que lhe dera um escultura dias antes e dedicou as músicas do coração a Ariane (acho que o nome é esse) que está no Hospital e o vídeo será mandado a ela hoje, um dia depois.
Canta Hard Sun com uma energia incrível.
Canta no meio da platéia, anda no meio dela.
Que lindo!
Abre a segunda garrafa e dá a primeira que estava bebendo para a platéia. Interage. Não tem essa de subir e só cantar. Fiquei estarrecido, encantado, com o esforço que ele faz para fazer que o show seja incrível. Se marketing ou se isso é dele não faz diferença. Esse esforço, essa entrega, o torna um artista fudido! O show é único. Não está no Youtube. Não está em lugar nenhum exceto na emoção e na lembrança de quem estava lá. Reflito. Em tempos de youtube, ainda há artistas que simplesmente sobem no palco e tocam. Liam Gallagher por exemplo no Lolla.
Show não é mais tocar música.
Show não são só efeitos especiais.
Show é interação.
Não necessariamente estar na grade ou na primeira fileira, mas se entregar livre como artista para o público. Deixar a plateia participar. Contar histórias locais. Toca Guarantee com se fosse a primeira vez num show, como se mesmo todos os destinos, todos os palcos, o aceitassem como ele é, como somos. Eddie é aceito no Brasil como um dos nossos; ao lado do samba. Uma interação quase latina.
Emociona-se.
Deixa Society mais para o final, essa sociedade louca onde quanto mais você tem mais te exigirão, mais pedirão, mais espaço você precisará; Eddie, talvez sem se dar conta, pela sua entrega, nos mostra as origens da natureza selvagem, a entrega do homem na natureza, melhor, em seu estado natural. A sinceridade implacável com que vivem a natureza e os animais; o sol que queima a todos indistintamente sem saber se seus raios secarão vidas ou cadáveres, corpos ou esperanças; a tempestade que venta e derruba as obras dos homens sem lhes perguntar o quanto de suor está ali por detrás.
Entrega-se verdadeiramente com a emoção do vento, a serenidade da noite calma, quieta, e a vitalidade do sol ardente ao meio dia. Ouvir um artista de que sou fã, nem tanto pelo Pearl Jam, mas pela trilha sonora de um dos melhores filmes que já vi, é o tipo de experiência que me permitirá, um dia, deixar em paz a Terra, aqui por onde passei e reguei aos próximos com energia e entusiasmo. Passei por aqui, criei e amei filhos; trabalhei. Ri com meus amigos. Ouvi Eddie Vedder tocando Guarantee ao vivo. Foi um show. Tenho que partir para o próximo compromisso.
Com mais emoção do que reflexão, entrego-me ao dia sem rodeios e sem muitas revisões.
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