Redes sociais mostram como aprendemos a gostar de falar de nós mesmos na terceira pessoa. Há homens; mas as mulheres em disparada se utilizam mais desse estratagema linguístico. Esse rápido distanciamento, a alocação da primeira para a terceira pessoa, tem o efeito imediato de afastar o egocentrismo, criando simpatia entre o leitor e o escritor. Ela e não eu. Ele e não eu.
Alguns exemplos imaginários de perfis diversos e fictícios:
“Ela é livre para viver, ama os pássaros, o sol, o vento na cara e não resiste a um Aperol”; Às vezes fala de suas roupas:
“Ela usa havaianas, saia branca e colar de pedras. Ama @tecidoleve. Ela se encanta com a vida e seu incenso favorito é de alecrim dourado”.
De seus aprendizados:
“Ela aprendeu a ser a sua melhor companhia e ninguém mais lhe tira o prazer da vida; o poder de seus sonhos”;
Os recordistas mesmo são a praia e o sol; ambiente onde elas não resistem na troca d´euprela. Ou ainda:
“Ela ama as saias jeans brancas e não resiste a uma taça de Chardonnay gelado”. "Ela agora se acalma só com a brisa, mira os pássaros e se fixa no verde natural; ama a natureza e se excita na cachoeira gelada.”
“Ela sai pelo mundo desconhecido, sem medo de novas aventuras. Ela ama o instante". "Ela anda descalça, passa pelos espinhos da vida e se teima entre os perfumes de rosa e jasmim". "Ela é a poesia de Carpinejar e se leva ao som de Bob Marley; de Bob Dylan. Já ouviu muito legião urbana, mas agora se enfeitiçou pelo samba raiz; odeia homem que usa samba canção".
"Ela é vida ardente, intensa, bruta, carvão queimando, uma transa intensa, de lado ou girando grita alto".
Interessante. Curioso. Exibem maravilhosamente seu cotidiano e seus hábitos nas redes sociais e, sobretudo, no Insta. Uma revolução comportamental nos hábitos femininos; em menos de, sei lá, 40 anos, saíram do recato e do lar para o recato do bar. Leitor afoito, bar aqui significa toda forma de produção de prazer e entretenimento; não propriamente o botequim. Embora possa sê-lo. Bar aqui é gênero, não espécie.
Lembre-se, Código Civil de 1916, que vigorou até 2003, permitia anulação de casamento caso a esposa não fosse mais virgem. Lógico que pós Constituição Federal, de outubro de 1988, este dispositivo, não recepcionado, foi extirpado do ordenamento jurídico. Em vez de silenciarem seus anseios, seus desejos, seus orgasmos, seus hobbies, nos contam, com foto, como elas são, de que gostam; deixam claro que a sua individualidade será respeitada, seu sol, seu mar, sua praia, sua montanha; não abrirá mão de sua taça de Chadornnay, de seu Aperol.
Perderam o medo de viverem solteiras.
Não vivem para casar e ter filhos; esta é uma forte opção mas movida por desejo próprio e não pelas convenções sociais. Vão além, algumas já até dão a letra do que procuram:
“Ela procura alguém que a ame como ela é, parceiro, divertido e ouça Indie Rock enquanto faz crepioca de amendoim”.
Interessante. Curioso.
Os homens não evoluíram. Referem-se a si mesmos ainda na primeira pessoa, sem muitas novidades, exceto a quantidade infinita de sacanagem; agora pelo Whats. Nunca se viu tantos bytes eróticos circularem virtualmente. Desafio alguém a me mostrar um grupo só de homens que não tenha ao menos um bumbum comemorando a sexta-feira.
As moças também os circulam, mas pesquisas rápidas entre próximas me mostraram que trafegam em menor quantidade e na média o erótico é menos explícito. Já faz um tempinho que reparo nessa expressão em terceira pessoa, custou-me a escrever porque tive um amigo de colégio que se referia a si próprio na terceira pessoa. Ele falava "o Lemão" sistematicamente; Lemão isso, Lemão aquilo; foi uma das primeiras referências que tive de uso sistemático da terceira pessoa para si próprio. E não havia insta. Morreu novo. Morte trágica.
O texto saiu diferente do que eu tinha imaginado. Desvia-se a crônica às vezes no meio do caminho; segue a vida afinal. Devo reescrevê-la ou encerrá-la? Devo mesmo é virar a página sem maiores reflexões sobre o Lemão ou o feminismo; exceto sobre a imperfeição humana que nos acompanha aonde quer que caminhemos; que andemos.
Essa mesma que é a nossa sina de avançar sempre em busca da perfeição. Antes que eu me esqueça; reaprendo a virar a página; antes, contudo, de mesmo virar a página paremos mais um pouco na beleza estonteante de Jheniffer Lopes; da simpática Jheniffer Lopes que me enviou a sua foto depois de ler a crônica que vos fala.
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