Em toda cidade há um restaurante, lanchonete ou botequim que turistas só chegam pelos locais; estes vão pela qualidade da comida, da iguaria, ou do atendimento personalizado. Geralmente são locais honestos e que não primam pela aparência. O turista sozinho não vai. O fresco ouve falar mas não se arrisca.
São três irmãos. O pai japonês, com ano e meio, veio de Kasatu Maru para Presidente Prudente. Kasatu Maru é o navio, não a cidade. Chegaram e foram direto para o campo, mas o trabalho era muito difícil, não tinha CLT, e foram para Santo André. Não gostamos da cidade grande e aí fomos para Limeira, ondem morava nosso tio. Sempre tem um tio que leva a família pra outra cidade. Mário, Kitty e Luiza trabalharam em bares e restaurantes até que, depois que aprenderam tudo, abriram uma lanchonete. Pastel. Cachaça. Cigarro. Pastel. No começo, lá atrás, se vendia de tudo. A primeira vez foi num sábado de manhã, pão com manteiga e pingado.
- Meu pai gosta de lá por isso que ele escreveu uma historia.
Esta última intervenção em destaque foi de milha filha, 7, que leu a história aberta na mesa da sala enquanto eu cozinhava. Quando eu vi já estava escrito. E assim ficou. Assim ficará. Quando o meu pingado chegou estava exatamente como eu gostava. Eu avalio o nível de comunicação de um estabelecimento pelo pingado. Duda Mendonça numa cena de Entreatos deixa muito claro que o importante mesmo não é o que se diz, mas como o consumidor, ops, o eleitor entende. Aí aconselha o Lulinha paz e amor a não radicalizar, a falar de modo a não assustar a classe média. Pois bem, o pingado veio como eu imaginava. Poucas padarias conseguem essa proeza na primeira. Quase nunca te entregam exatamente o que você faria em casa. E tomei um pingado fantástico.
Eles falam pouco e muito. Pouco sobre amenidades e muito sobre o seu pedido. Pingado? Escuro, não muito quente, sem açúcar, no copo. Mais pra escuro que pra claro; tá bom? O atendimento é obsessivamente o mesmo. Isonomicamente o mesmo; Salgado no prato e, em segundos, o kit: guardanapo, pimenta, ketchup, mostarda. Para uns a comari. Hoje já não vendem pastel nem cigarro. Muito menos cachaça. Salgados e salgados, feitos às centenas todos os dias. O melhor é a esfiha de palmito.
Desde 1981 ali. Viram o prédio do lado ser erguido e os alunos da escola defronte ainda saíam para comer lá. Aliás, encontrei um desses alunos, barbado, comendo ali. A cidade terminava aqui, depois só chácaras e sítios. João Figueiredo desfilou aqui com snipers sobre o prédio ali da Nossa Caixa. Do porto de Kobe para o de Santos, em 52 dias, num navio inglês cujo nome original era Potosi, sim, o mesmo das minas de Potosi cuja história Eduardo Galeano conta tão bem em Veias Abertas da América Latina. A nau foi rebatizada para Kazan e foi afundada quando rodava como navio escola. Pensa você viajando 52 dias e te avisam 20 minutos antes que o navio foi resgatado do fundo do mar. E, ainda, você está indo para o Brasil.
E vc acha que tem coragem?
Uma coisa é certa, o Brasil seria mais esculhambado ainda se os japoneses não tivessem vindo. Manja o procedimento que falei no começo; salgado no prato em segundos o kit, guardanapo, pimenta, ketchup, mostarda? Tá no sangue dos japa. Dos queridos japas que aprendemos a amar e vice-versa. Dê um abraço num amigo japonês neste sábado. Olhe para ele, nos olhos, e diga, mano, teu bisavô é muito loco, veio pra cá num navio náufrago. Aí você explica. E cita a fonte malandro. Antes que eu me esqueça, chama-se IMPERIAL, a lanchonete, do lado do E.E. Brasil.
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