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a velhinha maluca

  • Foto do escritor: Carlos Camacho
    Carlos Camacho
  • 3 de fev. de 2018
  • 3 min de leitura

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Já se vão lá alguns anos que os bancos da Faculdade se distanciaram dos meus assentos. Alguns muitos anos; é preciso olhar para o tempo de frente.


Não sei se vocês perceberam, mas o tempo é o vento.


Vou repetir porque às vezes até mesmo eu duvido da minha genialidade. O tempo é o vento. O tempo nunca foi um conceito abstrato; etéreo. Esse brocardo idiota que o homem covarde solta de que não viu o tempo passar; uma baboseira sem tamanho. Ele, o tempo, se transformou em vento para que os homens o vissem; habituados que são a materializar tudo eles viverão sem enxergar o tempo; vão trespassá-lo como flecha, pensaram. É de todo prudente que o vento seja o tempo e o tempo vente. Não à toa que há o vento-tempestade, vento-brisa, vento-rajada e vento-nenhum.


O vento avisa o homem que o tempo existe.


Para todas as modalidades de tempo há exata, científica e numericamente igual medida de vento. Dito isso, passadas inúmeras brisas e tempestades depois, pelo face, encontro uma colega da Faculdade. Ela e suas amigas, as mesmas de lá, postaram uma foto comemorando a amizade de longas tempestades. Sorrindo, felizes, juntas, todas bonitas e bastou esse comentário para logo perceber que uma delas, a Ana, continuava espirituosa mesmo depois de, digamos, uns ventos de boreste; outros de sudeste.


Sem rodeios diz que será uma velhinha maluca. Pronto!


Aí já viu né. Essa inofensiva expressão velhinha maluca não me saiu mais da cabeça. Reservo. Sigo o meu dia, termino a rotina e a velhinha maluca não me deixa. Volto, pego a estrada, olho uma velhinha na rua, no carro, na padaria e a dela não se distancia, nem com preces e macumbas. Tantas músicas para cantar, tantos poemas para recitar, tantas ligações a fazer e infindáveis e infernais zaps a responder e nada é capaz de afastá-la. Velhinha maluca. Dirijo, chego, paro no posto de gasolina, um café, um salgado, uma ligação, um brother que encosta e desencosta. Chego no escritório, reunião. Desunião. Oriento, aconselho, sim, é preciso fazer o inventário judicial. Sim, demora. Ah, morreu de repente, não viu o vento passar. Pois é, ele voa. Também, a gente não vê o tempo, né?!


Quem não vê o tempo passar é porque nunca atravessou furacão ou deixou que a brisa da montanha se passasse perfume na face ao lado de sua amante; de seu amor.


Os insensíveis ao vento são os insensíveis ao tempo. Esta última frase é o ponto alto dessa crônica e eu lhe lanço como catimba que esta frase não te deixe facilmente. E, assim, repeti-la-ei: os insensíveis ao vento são os insensíveis ao tempo. E dá-lhe velhinha maluca. Finda o dia e os ânimos se acalmam. Passo no mercado, ovo, alface, azeite, atendo o celular, faço a curva no corredor e velhinha maluca. Pago, não sem antes catar uma cabeça de alho e uma cerveja artesanal. Uma garrafa só. Volto pra casa, largo o carro e entro no elevador, velhinha maluca, enfim, já tranquilo no computador vendo noticiário abro o blog e faço correções de praxe, mudo estilos e fontes.


Mudos ares ao som de Jack Johnson.


Abro as encomendas, a revista Piauí, o maravilhoso livro do Rusty Marcellini, meu Brasil brasileiro, e a figura de uma velhinha maluca sentada no meu sofá. Aí você entende como e por qual razão abro a crônica com velhinha maluca. A Ana, espirituosa, sente o vento e vê o tempo, de maluca não tem nada, e quando chegar lá na frente depois de muitos ventos, tenho a percepção de que essa maluquice é uma ótica leve de encarar o futuro, o porvir, o vento.


Todos nós deveríamos ter uma velhinha maluca por perto.


A velhinha maluca brincará com os netos, brindará com os filhos, dará palavras curtas e acalentadoras no momento certo, no momento de desespero, mostrará tranquilidade e dirá que tudo se acertará. Como quem já atravessou pistas, desertos, montanhas, vales sombrios, como quem sentiu a brisa da juventude, o vento-nenhum da idade monetária, e quem se postou entre rajadas violentas, dará risada quando todos silenciarem.


Estragará a educação dos netos e dirá para não contar aos seus pais. Lerá trechos de fé e pedirá o bem de todos. Levará bolo de cenoura para o porteiro ou para o chá cazamiga. Estará sempre lá cheia de hábitos e sincronicidades. Vestirá fantasias. Fará café e pimentão recheado. Levará os netos para a praia.


Será chamada de velhinha maluca, mas nunca de velha chata.


E, ao final, quando amainarem os ventos todos, transformar-se-á num bolinho de chuva e estará sempre presente entre todos. E seus netos, por gerações sem fim, por todas as aventureiras e até quando ninguém mais souber de sua existência, ainda sim repetirão: o tempo é o vento. Ah, antes que eu me esqueça, leiam de novo ao som de Eddie Vedder e sinta a brisa que lhe trespassa neste dia normal.

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