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Ah, os relógios!

  • Foto do escritor: Carlos Camacho
    Carlos Camacho
  • 18 de nov. de 2017
  • 3 min de leitura

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Assim que saí do cinema meu irmão, que havia me dado a dica do filme, mandou um zap, e aí? Nesse particular ele se parece comigo ou eu me pareço com ele. Ou versa-vice. Você dá uma dica e quer logo que a pessoa veja, leia ou ouça. E aí viu? Leu? Assistiu? Não ?! Ainda não, por que não ?! Nos tempos presentes, de experiências multissensoriais concomitantes, recomendo fortemente ouvir “Nos Bailes da Vida”, de Milton de Nascimento, enquanto você rola e se enrola aí pra baixo.


Cantando me disfarço e não me canso de viver, nem de cantar..... Espero, vai lá. Eu não sabia exatamente o que responder, sim havia gostado do filme, mas não era tudo. Algo ainda deveria ser digerido, alguma conexão, uma interjeição, alguma coisa mais. Algo, trago, susto. Botou a música?


O filme conta a história do economista carioca Gabriel Buchman que morreu no monte Mulanje, no Malaui, na África, já no final de uma viagem pelo mundo. Antes de fazer seu doutorado sobre políticas públicas, foi visitar o mundo. Não é spolier, logo no começo se sabe. Numa das cenas, no jantar com uma família africana, todos comendo com a mão, a garota pede a ele para cantar uma música brasileira....e ele entoa a canção maravilhosamente bem com a roupa encharcada e a alma repleta de chão, com a alma repleta de pobreza.


Botou a musica?


Ele começou a viagem como economista, passou pelos bailes da vida e, às vezes em troca de pão, se entregou à sua missão, à sua jornada; não se importando muito com as consequências, com o futuro, com o tempo. Buscou seu caminho de sol. Cantando fez a viagem na boléia de uma carroça e se entregou à sua vida. Tudo era tão bom. Em algum momento de sua viagem, antes de chegar à África, o filme não nos conta, Gabriel deixou de ser economista para virar artista....entregou-se às suas paixões e as viveu na intensidade do presente; é preciso dizer esse trecho mais refinadamente: Gabriel viveu as suas paixões poeticamente no presente. Como artista.


Botou a música? Veio um tempo depois. Veio. Depois. No tempo que precisava ser tomado, sem trago ou susto. A entrega de Gabriel Buchman à sua viagem foi o que me fascinou no filme, mais do que o próprio filme, a concepção da entrega. A sensação de que, senão toda a vida, nalgum tempo, nalgum lapso dela, precisamos virar artistas. Ouvir o artista que há em nós. Viramos artistas na entrega, numa linguagem nada poética e pouco adequada; ao foda-se.


A entrega de Christopher McCandless ao isolamento no Alaska.

A entrega de Milton de Nascimento para a música.


A entrega de Mário Quintana para a poesia. A entrega do meu tio Paulo Rogério Camacho às suas telas. A entrega do ator João Pedro Zappa ao papel de Gabriel. A entrega de Márcia Padula às suas viagens pelo mundo. A entrega de Hugh Hefner às suas coelhinhas. A entrega de Jorge Paulo Lemann aos seus bilhões. A entrega das pizzas pelas Domino`s; a entrega na busca, pela busca, no tesão das paixões, independentemente se quem pagou quer nos ouvir.


Botou a música? Coloque para repetir infinitamente então.


Não conhece Márcia Padula? Reveja meu caro, minha cara, as cinco pessoas que estão fazendo de você você mesmo. Refaça a sua média ponderada para 2018 incluindo ou excluindo de sua lista o quanto for necessário. Inclua Márcia Padula. É preciso conhecer alguém ligado a alguém, que se vincule a alguém, de modo que alguém, física ou digitalmente, possa apresentá-la a você nalgum momento da vida.


Ela não viaja, desliza como malabarista pelas fronteiras bambas do mundo. Ela foi uma das artistas que eu conheci em minhas andanças. E, para ajudá-los, para que a tua curiosidade também não te definhe, é dela a foto acima. Repare no sorriso, que lindo, como se confunde com a própria natureza. Na inclinação leve para o lado. Atente-se para os seus braços abertos ao vento; não por acaso um aponta para o mar e outro para a terra; de qualquer modo ela chegará maravilhosamente em seu destino. Rindo e entregue ao instante cosmicamente balanceado pelo sol, pelo mar e pela terra.


E, ah, antes que eu esqueça; repare Mário Quintana como ela está sem relógios.

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