Logo mais, no final da crônica, já conto porque raios comecei com La Negra. Não! Não atropele tudo pra ir até o final, menos de 6 minutos você chega lá. Já pensou se as cópulas vigentes fossem que nem posts expressos do Facebook, onde três linhas já cansam só de ver; não, nem sempre é possível ir direto ao ponto; pro dispositivo. Respire fundo ou volte outra hora, com mais calma. Se você se pensou em correr o texto para o final considere Yoga para resoluções de 2018. “Permita-se”, para usar uma palavra da moda, que me parece vai logo bater “gratidão” estatisticamente falando. A expressão cópulas entrega a minha idade. A expressão vigentes manifesta muito formalismo, desaconselhado para uma leitura informal e descontraída; postada ademais. Esta semana estava fazendo lição de espanhol com a minha filha:
- Pai, tem muita lição!
- Vamos começar logo então...
É disparada a lição mais divertida de se fazer com ela; ainda sim começa e para, distrai, volta e desinteressa. Filha, já sei o que tá faltando, bora ouvir umas músicas em espanhol, fui lá pra minha playlist carinhosamente chamada “castellanas”, Célia Cruz, Pablo Milanes, Joaquim Sabina, Caribenhos de Guadalupe, dentre outros, Mercedes Sosa. E de repente toca “Volver a los 17”, bota aí pra entrar no clima.
Os músicos são engenheiros sofisticadíssimos que há muito criaram o túnel do tempo; num dado momento, olhando a terra de longe, quando perceberam que tudo era presente, que a vida é sempre um só instante, fizeram a música para que se viajasse pelo tempo. Esse pessoal não vai aguentar só o presente, disseram. Por ela se vai e se volta, no grave e no agudo. Eu voltei a um sábado pela manhã em que meu pai trabalhava entre processos no escritório de casa, pilhas e pilhas, de todo tipo; da vida à morte. Do sangue ao seguro. O som alto tocando Mercedes Sosa, voltando aos dezessete, me chamou para ouvir a minha opinião, como sempre fazia...
- Filho veja só, o locador da Rua Capitão Bernardes....está querendo, depois de vários anos, retomar o imóvel das moças que lá trabalham, todos da cidade sabem que ali ficam os bordeis.
- Sei pai, como sanduíches de mortadela com elas...calma! Elas frequentam o bar na frente da escola...onde pegamos o pão com mortadela.
- Tá, já entendi.
- Mas por que?
- Está dizendo que o imóvel é destinado à atividade ilícita; destinada ao prazer efêmero e pago.
- É verdade pai.
- Sim, mas agora, depois de tanto tempo, depois que ele usufruiu dos Reais eróticos, não está certo!
Não, não estava. Má-fé. Em 1993 aplicou essencialmente o princípio da boa-fé nas relações contratuais. Embora já presente no Código Civil de 1916, foi mesmo no de 2002 que ele se tornou o cara. The guy. As tias ficaram no imóvel, indeferida a retomada do imóvel para o locador que se cansou do dinheiro de Afrodite. E nós continuamos a comer os sanduíches de mortadela enquanto elas compravam cigarro. Mercedes Sosa, filha de ameríndios e que chegou a ser presa na Argentina em pleno show em 1979 pela ditadura militar, mudando-se depois para Paris e Espanha, parecia intervir em favor das minorias, das tias da Capitão Bernardes, em Limeira. É uma revolucionária dizia meu pai; sua música inspirou multidões. Mercedes Sosa talvez tenha sido para a música o que Símon Bolívar foi para a política. E cantava....“Cambia lo superficial, Cambia también lo profundo, Cambia el modo de pensar, Cambia todo en este mundo”, por que raios não mudaria a cabeça do locador da Capitão Bernardes. Pero la justicia no debe cambiar...vou repetir porque esta frase foi minha. Vou botar aspas pra mim mesmo “La justicia no debe cambiar”. Ego tratado. Alguns outros engenheiros sofisticadíssimos, mais agora, os gênios que viabilizaram o Spotify, me permitiram localizar exatamente os dois CDs que ouvia nas manhãs de sábado. Precisa botar uma ferramenta de busca nele partindo dos fatos históricos e me cai a vontade de ir pra guerra Cisplatina ou trazer ouro das Minas de Potosí. Minha filha, agora:
- Pai, não tem uma música mais agitada? (Pensem duas vezes antes de botar Mercedes Sosa para sua filha).
Lógico que estalou o dedo na minha frente para que despertasse de 2017.
- Ah, hã, é...vou ver....é que lembrei de um episódio do meu pai.
“La negra” foi seu apelido, dado pelos fãs, pela sua origem e pela cor de seu cabelos negros. Mercedes Sosa, “La Negra”, antes que eu me esqueça.
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