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Antes que eu me esqueça!

  • Foto do escritor: Carlos Camacho
    Carlos Camacho
  • 25 de jun. de 2020
  • 4 min de leitura

Originariamente postado em 31.10.2017. É a primeira crônica do blog.

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Antes que eu me esqueça, escrevo solto e soltas algumas notas de crônica. Saudades das manhãs de jornal impresso sujando as mãos de estudante e das emoções de Ignácio de Loyola Brandão no Estadão. A crônica se reduziu na importância e se disseminou pelos blogs e facebook, me parece. E lá vou eu fazendo a minha, dominical, na madrugada, sem licença; nem leitor ou roteiro.


Numa das cenas de Mindhunter, no vaivém pelo país para traçar perfis criminológicos, agentes especiais do FBI chegam no avião e há um sujeito sentado na poltrona do meio. Eles perguntam se podem sentar-se juntos; ao que o sujeito se nega. Durante o voo passam a conversar e trocam fotos de cadáveres mutilados e degolados; logo o sujeito pede para trocar de assento em pânico já pelas imagens. Lógico que recusam.


Atualiza para domingo à tarde, deixei para Latam escolher o assento da ponte aérea e ela me botou sobre a asa e no meio. Odeio voar sobre as asas e sobretudo na poltrona do meio. É o clichê. Você não escolhe, alguém vai escolher por você. O problema da asa são dois: se o trem cair a impressão que tenho é que asas baterão na montanha ou no prédio ou na torre e aqueles assentos mais próximos irão seguir a natureza das asas e voar, voar e voar. Deixem o meu lapso paranoico em paz por favor. E, depois, prejudicam a tua visão panorâmica. Pois bem. Avião lotado e eu no meio.


Chega uma moça jovem e diz educadamente “estamos viajando juntas você pode se sentar na janela ou no corredor”.. Assim, pá, pum. Delicada, mas sem opção. Direta...impossível de dizer não. Tá, uma ordem praticamente! Ofereceu-me uma saída honrosa, inteligente a moça. Do tipo de decisão de milésimos de segundos. Átimos de segundos. Eu tive vontade de dizer não para ver a sua reação. Só para saber se ela iria ceder ou argumentar. Em outros átimos de segundos lembrei de Mindhunter e preferi uma opção negociada. Fui para as asas, para a janela.


Conversa começa, conversa para, recomeça e a moça é a roteirista do filme “antes que eu me esqueça”, Luísa Parnes. E, com ela, a sua irmã, a bela Helena. As Helenas serão sempre belas. Na hora para não esquecer dos nomes guardei que era Luisahelena e me veio o rosto da política para imagem de associação. Perdão Helena. Logo me impressiona a sua ausência de pensamentos e conceitos fechados, aberta a idéias que não sejam exatamente as suas convicções. Aberta ao diálogo. Artista. Roteirista de cinema. Gente boa, como eu digo. Perfil agregador.


Decido postergar a minha viagem e sim vou assistir à estréia do longa na Mostra. Não sou crítico de cinema, já sabemos. Mas um pitaquinho também não vai de todo mal.


O ex-juiz dá sinais de sofrer do Alemão e a temática se desenrola nessa trama central, universal, sobre o destino do velho e como os filhos terão que enfrentá-lo. E aí vem o caldeirão: as brigas familiares, as diferenças entre irmãos...e segue; e se desenrola. É engraçado o filme, com melhores diálogos cômicos para a personagem Joelma. Chamou-me a atenção como o filme procura conciliar dois mundos, o formal com o informal, o erudito com o popular, o clássico com o pop, talvez propondo uma aproximação entre esses opostos. Ideia essa que fica clara em duas cenas. Uma quando ex-juiz e a promotora de justiça entram no bordel para fazerem a reunião que precisam. E, depois, quando em pleno bordel de nome Poligonos, em Copacabana, numa noite da terceira idade, com o filho do ex-juiz ao Piano, monta-se uma noite típica de Cabaré. No Rio de 2017. E os velhinhos vibram. E o desejo deles, a seu modo, a seu tempo, pulsa.


No final, com quinze minutos abertos ao público, conta Tiago, o diretor, que um dos estalos para o filme se deu ao ver um velhinho, um idoso vai, em Copacabana virar 180 graus por uma mulher bonita. Talvez a mulher que esse velhinho mirou não tenha reparado que ele a viu. Talvez sim e tenha gostado. Talvez sim e o tenha rotulado de velho tarado. Talvez tenha lhe dado uma piscadela. Não se sabe, porque na vida não se sabe tudo, não se tem razão sobre tudo. A tua visão de mundo não precisa prevalecer como verdade universal a qualquer custo.


Teria a Garota de Ipanema feito uma self e postado no Insta com Tom e Vinicíus ou teria relacionado ambos como perpertrores da objetificação da mulher como vi outra dia uma jovem fez com as cantadas de rua?


Talvez a Garota de Ipanema de hoje mudasse de calçada para rejeitar os beberrões da Bossa Nova. Garota de Ipanema só poderia ter sido composta no contexto em que foi. Refletir condutas é universal e atemporal, o que nos especifica no presente é o modo como fazemos. Vivemos uma época de viés intolerante a idéias adversas, onde a opinião raivosa tem que se impor desde logo nas mídias sociais, nos debates.


E, se há ideal político, ideal sobre a pólis, sobre seus habitantes, é porque não temos a configuração que se pretende eterna. Nunca teremos. Vamos seguir refletindo, revendo posturas, mas lembrando que a todo o tempo há coisas lindas que vão e que passam, no doce balanço do rebolado brasileiro. É, ah, antes que eu me esqueça... Valeu Luisa por me mandar para as asas!

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