Há algumas verdades pelos ares que se tornaram verdades só pelos ares. Ares, mares, um mundo estelar que nos chega de longe e de repente nos vemos repetindo sem pensar muito. Sem refletir demais. E assim se tornam oxigênio. Por sobrevivência, a todo dia, a todo instante. Verdades que se postam e se arrastam até que dá preguiça de refutá-las.
Não estamos mesmo, nunca, preparados para a morte?
A minha avó me disse que não tinha medo de morrer, eu entreguei na mão de Deus, Ele sabe a hora. Não preciso me preocupar. A sábia Cidinha. Sei que vou encontrar o teu avô, ele está me esperando. A vida é mais sábia que achamos. Elas nos prepara nos diversos ciclos de vida para a morte. Podemos não saber a hora, mas há avisos a todo tempo. O noticiário do jornal, o amigo morto no acidente e o seu tio enfartado que você não viu muito.
Morrem os diversos ciclos que temos.
Passamos a vida em ciclos.
O Museu queimado, a feijoada light, a demissão, o divórcio e o filho que vai morar longe. Eu tive essa semana um aviso desses; de um ciclo girado, um ciclo feito. Evil Garage Bar encerrou as suas atividades. Não é uma pessoa, eu sei. Mas era onde eu costumava conversar, geralmente às quintas-feiras, com o Gulino e com Edson, e outros que por lá apareciam. Há quatro anos encostei naquele balcão quando ainda tinha um sofá e uma mesa que muito parecia uma sala. Aos poucos eles abriram o palco para várias bandas desconhecidas e que se consagraram na cidade e região.
O bar logo ficou conhecido por um bom Rock and Roll e um atendimento de qualidade, sempre com disposição e abertura para melhora. Nas festas os sócios se fantasiavam, se empolgavam, e faziam sempre com que nos sentíamos em casa. Abertos às idéias, aceitaram de plano a minha de montar uma biblioteca compartilhada. Mantiveram-se firme ao lado do Bar do Montanha, do Maverick e de outros espaços da cidade. Vários outros foram abrindo e os duetos e bandas que se fizeram no Evil espalharam-se pela cidade.
Além do ambiente inovador na cidade, gostava de bater papo com a dupla que tocava o bar ultimamente, Edson e Gulino. Na linha de frente. O Evil fechou seu ciclo com maestria, com o show do Made in Brazil acústico. Velório de bar é assim. Tem um show pra encerrar. Eu não fui, não estava na cidade, mas, se o Bar fosse uma pessoa, certamente seria daqueles que presenciaram uma das fases mais difíceis de minha vida. Uma transição. Um ciclo de mudanças.
Ganhei dois amigos frequentando a garagem do Diabo. A verdade é que o Capeta nunca chegou perto daquele espaço, sempre foi espaço do bem, do abençoado, com uma puta de uma energia boa. Lá encontrei pessoas que não via há muito tempo, como o Gustão, amigos que apareciam do nada e eram brindados com limão, sal e tequila. Com maestria e respeito, souberam conversar com a vizinhança para que integrasse a noite limeirense sem que lhe fosse um estorvo.
É difícil ter negócio noturno em Limeira.
Não é uma cidade de histórico cultural, noturno, voltada ao entretenimento como nossas vizinhas Piracicaba e Americana. Para ficar em duas. Nem cito Campinas. Muitas vezes os notívagos se arriscam a pegar as estradas para se divertirem fora de Limeira. Cidade que se desenvolve tem sede de Cultura.
De dança. De teatro. De fotografia. De história.
De rodas de debate.
Recentemente muitos bares foram abertos, o Blues de Chicago virou Seattle do Grunge. As inaugurações estão aumentando, novos bares e restaurantes começam um novo ciclo. Como ser pego de surpreso pela morte? Ela sempre esteve ao seu lado. Ela está ao lado da vida, dos ciclos quer sejam instantâneos, efêmeros ou longamente duradouros.
Vamos tocando a vida que nem bola, rodando em ciclos que nunca rodam pela mesma trilha. No meu conto chamado Malaia, em dado momento a personagem faz a seguinte reflexão:
"Trajetórias de vida são como folhas secas que caem das árvores e, apesar de milhares delas e milhões de vezes caídas, nunca, nunca uma única folha na história se caiu pelas mesmas voltas do que qualquer outra. Somos folhas secas. Nossas vidas mortas são folhas secas que encostam ao chão."
E, como eu digo sempre a quem me conhece. Eu não choro a morte. Eu celebro a vida de quem viveu. Uma folha passa mais tempo verde na árvore do que seca no chão, onde logo a ventania a arremessa para nunca se sabe onde...
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